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Hugo Chávez ganhou seu quarto pleito eleitoral de maneira incontestável. Não só porque a vantagem de 11% dos votos válidos (algo em torno de 1,6 milhão de votos) é muito expressiva, mas também porque ele venceu em 22 dos 24 estados da Venezuela, incluindo o estado governado pelo principal candidato da oposicão, Henrique Capriles.

Vários aspectos explicam o resultado. Chávez realizou uma campanha muito focada na gestão pública, e nesse campo ele levava uma grande vantagem em relação à oposição porque, ao contar com um conjunto de politicas públicas concretas, as misiones, criou-se a sensação de que o programa social da oposição era futurista e incerto. Além disso, a melhora na saúde de Chávez teve um impacto emocional muito forte entre seus seguidores. A simbologia de "guerreiro" lhe garantiu empatia e solidariedade, que se traduziram em muitos votos.

A participação dos eleitores (em torno de 81% do eleitorado em um país onde o voto não é obrigatório) é a maior na história da Venezuela. Paradoxalmente, as chances da oposição eram proporcionais a uma maior abstenção eleitoral e a uma manifestação em favor de Capriles dos chamados "votos ocultos" (por exemplo, funcionários públicos temerosos de manifestar abertamente seu voto a Capriles). Mas o que se viu foi, de um lado, uma manifestação eleitoral massiva daqueles que fizeram que a abstenção caísse (e que não necessariamente estão nas classes D e E, estratos nos quais se registrou a maior abstenção da eleição); do outro, o desmanche do mito eleitoral de que havia um voto oculto.

Talvez o fator mais importante de todos seja a constatação de que na Venezuela de hoje não existe apenas Chávez, mas o chavismo, que não é só um fenômeno estatal, e sim um forte fenômeno social. Hoje, um candidato do chavismo parte com uma base eleitoral cativa e fiel de pelo menos 5 milhões de votantes. Ou seja, dos 8 milhões de votos dados a Chávez nesta eleição, 62% já estavam garantidos pela fidelidade ao chavismo. E, por fim, a oposição precisava gerar uma tendência de sucesso nacional. A eleição parlamentar de 2010 criou a sensação de que o chavismo era a força dominante dos estados mais tradicionais e subdesenvolvidos do país (que são a maior parte) e que a oposição controlava os poucos mais modernos e populosos centros urbanos. A nova vitória de Chávez desfez rapidamente essa hipótese: ele ganhou não só nos estados tradicionais, mas também em todos os colégios eleitorais mais urbanizados e modernos – os dois únicos estados em que Capriles venceu ficariam na categoria de tradicionais.

Há alguns anos escrevi que na Venezuela os atores (oficiais e de oposição) não acreditavam na democracia como valor e prática, e que só faziam um uso instrumental daquela. Também disse que a Venezuela era uma democracia problemática. Continuo convencido disso, mas o bom resultado para a oposição (que prefigura um enorme potencial de alternância futura de poder); o reconhecimento imediato que a oposição fez do triunfo de Chávez; a transparência do processo, reconhecida pelos observadores internacionais; a alta participação dos cidadãos; e a civilidade com que os setores simpatizantes de um e outro lado encararam a vitória e a derrota me fazem pensar que pode abrir-se uma etapa de passagem da democracia problemática à democracia como valor e prática, e também de reconhecimento político mútuo entre governo e oposição.

Rafael Duarte Villa é professor de Relações Internacionais na Universidade de São Paulo (USP).

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