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Cesárea, a bola da vez

O Ministério da Saúde e a Agência Nacional de Saúde Suplementar publicaram resolução que estabelece normas para estímulo ao parto normal e a redução de cesarianas na saúde suplementar. Nunca antes na história deste país se viu uma exposição tão evidente da incapacidade do ministério, que toma atitude autoritária, sem ouvir ou dialogar com as associações de especialidades, que certamente contribuiriam na elaboração de um plano de ação visando reduzir as taxas de cesarianas – que, sim, são elevadas na saúde suplementar.

A taxa de cesáreas limitadas em 15%, proposta pela OMS em 1985, foi uma definição arbitrária, a partir de estudo observacional em países com baixa mortalidade perinatal. Não levou em conta características regionais, ou se o procedimento foi emergencial ou eletivo. A afirmação do governo de que há excesso de morte materna em cesáreas eletivas é falsa.

Estudos realizados em vários países, no Brasil inclusive, mostram que a morte materna diminui à medida que aumentam as taxas de cesariana até 15%, nível a partir do qual o aumento não mais protege as mães da mortalidade. Portanto, 15% deve ser o limite inferior, e não superior. Além disso, nos melhores hospitais universitários, que atendem pacientes de alta complexidade e que trabalham com protocolos atualizados, as taxas de cesáreas estão em torno de 35%. Deste modo, pode-se concluir que as taxas de cesariana deveriam flutuar entre 15% a 35%, dependendo do grau de complexidade das gestantes.

Com relação à mortalidade materna, a afirmação do governo mostra maior desconhecimento. As gestantes submetidas à cesariana e que morrem são basicamente as que precisaram de cesariana por ter doenças graves e aquelas que, depois de tentativa infrutífera de parto normal, fazem cesariana de emergência. As cesáreas que queremos diminuir são as feitas fora do trabalho de parto em mulheres saudáveis, e estas não incrementam o obituário materno. No Brasil, as maiores taxas de mortalidade materna estão nas regiões com menor incidência de cesárea.

Mas o pior não está no embasamento equivocado do ministério sobre o índice ideal de cesáreas. Está na ineficácia das medidas autoritárias de sua portaria. Quem se submete às cesáreas não está interessada em porcentagens. É direito da mulher, depois de devidamente esclarecida, manifestar preferência pela via de parto.

Os países desenvolvidos, como os EUA (36,5%), já ultrapassaram em muito os 15% da OMS. Neles, o atendimento é todo ou quase todo feito em hospitais com equipe obstétrica, contratada em regime de plantão, 24 horas por dia. As gestantes fazem seu pré-natal com diversos médicos ou enfermeiras, mas, na hora do parto, são instruídas a procurar os hospitais e fortemente desestimuladas a contratar o atendimento privado, que é incompatível com taxas de cesáreas baixas, pois o profissional, que tem várias atribuições, deverá estar totalmente disponível nas últimas semanas de gestação.

A necessidade de se mudar o modelo de atenção obstétrica envolve muitos aspectos: pessoais, familiares, sociais, regionais, culturais, econômicos, éticos, entre outros. Entendemos que a cultura de cesarianas em nosso país deve ser mudada, jamais esquecendo os direitos da mulher, que tem autonomia para decidir a via de seu parto e quem irá atendê-la naquele momento. Para isso, há de se ter todas as condições de assistência, por uma equipe e maternidades estruturadas, com número suficiente de leitos obstétricos e UTIs neonatais – o que não é a realidade no Brasil. Em um país com tantos problemas na saúde pública, o ministro está preocupado com cesarianas na rede privada. A bola da vez está errada!

Dênis José Nascimento, professor do Departamento de Tocoginecologia da UFPR, é responsável pelo Serviço de Obstetrícia do HC-UFPR.

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