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A essência rudimentar da língua inglesa, por séculos forma apenas oral de comunicação, fez surgir inúmeras palavras onomatopaicas, que imitam sons, como os verbos to miaow para miar ou to crush para moer. Assim ocorre com "clash of civilizations", a ressoar choque, impacto, expressão agora lembrada com medo e apreensão, a partir da onda de violência que se propaga no mundo islâmico. Deflagrada pelo polêmico clipe feito nos Estados Unidos, contendo ofensas a Maomé e a seus seguidores, a revolta se alastra pelo Oriente Médio, África e Ásia, sob a presteza inigualável do YouTube.

"Choque de civilizações", como expressão, reporta à ideia do americano Samuel Huntington, formulada primeiro em artigo na revista Foreign Affairs, para contestar Francis Fukuyama e seu best-seller O fim da história. Já como título de livro, em 1996, consagra-se como prenúncio catastrófico da Terceira Guerra Mundial como inevitável conflito entre islâmicos e não islâmicos.

Não fora a visão de um economista conservador e republicano, a proposta alarmista de Hungtinton se cinge a constatar a reação de mais de 1 bilhão e meio de pessoas ressentidas historicamente, prestes a explodir contra a ordem política liberal e a dominação do Ocidente. A tratar-se apenas disso, a questão seria bem menos grave e complexa que aquela que se apresenta. Afinal, a concepção de realidade de um republicano médio abstrai a percepção de valores do outro, do mundo que não é meu, longe do meu bairro e de meu hambúrguer.

A crise que eclodiu com os salafitas fanáticos, do Cairo a Islamabad, de Jacarta a Adis Abeba, é crise que tende a agravar-se com milhares de vítimas. Curiosamente ocorre nos momentos finais da corrida presidencial à Casa Branca, na qual se opõem duramente republicanos a democratas. O pano de fundo é um inconciliável conflito de valores, algo que foge à capacidade de compreensão de fanáticos, tanto dos idiotizados por dogmas medievais quanto àqueles cegos de ideologia. Não há muita diferença entre um pastor fanático que queima o Corão, o editor de pasquim francês que atiça com charges explosivas, e a turba violenta que quer vingar o Profeta ofendido. Cada qual em seu estilo e em sua linguagem, mas todos bárbaros por igual.

Da mesma forma como extremistas não representam qualquer civilização, nem os pastores piromaníacos, nem os jornalistas xiitas de liberdades impossíveis, é certo que o Islamismo não é feito apenas de violência e de intolerância. Religião milenar e virtuosa, que prega a caridade e perdão, para a qual salvar uma vida é salvar toda a humanidade, o Islã essencial não é essa parcela que se vê manipulada e furibunda, urlando vingança nas praças pobres de suas sofridas capitais.

Na contingência do enfrentamento que se processa, muito aquém da expressão infeliz de Hungtinton, a coincidir com as eleições americanas, é essencial que o medo não pressione eleitores indecisos para o lado republicano. Se eleições para presidente dos Estados Unidos são tão importantes que todo o mundo deveria literalmente votar, é urgente que a opinião pública mundial se faça ouvir, firme e decidida, em apoio incondicional a Obama. Para o bem da humanidade, para que não se viva uma nova véspera dos bárbaros.

Jorge Fontoura, doutor em Direito, foi professor visitante da Universidade Federal do Paraná.

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