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O presidencialismo de coalizão no Brasil agoniza na praça dos três poderes. É um corpo ainda vivo, mas com feridas profundas de onde emanam os odores da putrefação. Seus membros, expostos pela Lava Jato, estão podres. Não há tratamento; não há cura. Sua morte hoje parece inevitável, mas não podemos duvidar de sua capacidade de sobreviver mesmo apodrecido. E de manter-se atuante, como uma espécie de zumbi da série “The Walking Dead” que anda e se alimenta do nosso sangue.

As gravações telefônicas divulgadas na semana passada mostraram alguns desses zumbis (José Sarney, Renan Calheiros e Sérgio Machado) tentando garantir a sobrevida política deles próprios e do sistema de coalizão que ajudaram a construir.

A Lava Jato tem se revelado um dispositivo eficaz de exposição e punição

O tipo de acordão que eles propõem na conversa evidenciou que faz parte do mecanismo do presidencialismo no Brasil o envolvimento de representantes dos três poderes – o que nos faz pensar que esse tipo de prática foi/é comum e eficiente em graus diferenciados. A conversa entre José Sarney e Sérgio Machado sobre a dificuldade de se aproximar do ministro Teori Zavascki para tentar escapar de Sérgio Moro revela um padrão de conduta e lança uma monumental suspeita a respeito das pressões sobre os atuais e antigos ministros do STF. Isto é algo gravíssimo.

O presidencialismo brasileiro tem uma marca distintiva que revela a natureza do regime de governo e os fundamentos da nossa tradição republicana: a conjugação entre presidencialismo imperial (ou norte-americano), federalismo, bicameralismo, multipartidarismo e representação proporcional. Esses elementos institucionais caracterizam a dinâmica macropolítica brasileira e expressam necessidades e contradições sociais, econômicas, políticas e culturais, que coexistem e produzem determinados resultados regulares e que são fontes de desestabilização. O presidencialismo de coalização é justamente a necessidade de o Poder Executivo se organizar em grandes alianças interpartidárias para alcançar um fim comum, segundo a definição de seu criador, o cientista político Sérgio Abranches.

No sistema brasileiro, o presidente, ao utilizar os seus poderes na formação de uma ampla coalizão multipartidária, acaba por exceder a sua função e criar incentivos nada saudáveis para a política nacional. Assim, a sua relação com o poder legislativo, que em muitos casos se comporta como um mero cumpridor de ordens, passa a se dar no âmbito de negociações em que a troca de apoio para projetos do governo federal passa pela concessão de cargos (ministérios, diretorias de empresas estatais etc.) e/ou verbas destinadas aos estados de origens dos representantes dos partidos que formam a base aliada no Congresso.

E se, à primeira vista, ambos parecem ganhar (o presidente com o apoio e os partidos com cargos e verbas), o desenvolvimento dessa relação de troca compromete o ambiente político, gera instabilidade, tende a inflacionar as negociações e desgasta a imagem dos dois poderes perante à sociedade, além de criar espaços de corrupção e de pressão política.

A formação desses acordos, como temos visto, não é o resultado exclusivo de fatores institucionais, mas também da tentativa de conciliar os incalculáveis interesses das representações políticas da sociedade. Essa pluralidade de desejos e vontades não raramente se revelam, do ponto de vista prático, como um “equilíbrio dos antagonismos” (Gilberto Freyre em Casa Grande & Senzala) ou uma “conciliação de ambiguidades” (Paulo Mercadante em A Consciência Conservadora no Brasil). Porque não está restrito à política, este é um dos nossos maiores e mais profundos dramas internos (individuais) e externos (culturais). A tentativa de conciliar antagonismos evita conflitos necessários para uma reforma que melhore o que é bom e elimine o que é ruim.

A Lava Jato tem, nesse sentido, se revelado um dispositivo eficaz de exposição e punição dos zumbis políticos e um instrumento pedagógico que pode nos ajudar a superar a faceta maléfica do “equilíbrio dos antagonismos”.

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