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Dias depois da votação do impeachment na Câmara dos Deputados, o jornal El País divulgou uma matéria na qual alegava, depois de fazer algumas contas, que apenas 36 deputados federais brasileiros teriam sido eleitos “com votos próprios”. Os demais, segundo a publicação, não teriam sido eleitos com os “votos diretos” do seu eleitor. Mas a reportagem não explica como ela considera que os deputados deveriam ser eleitos; apenas analisa que vários deputados não atingem uma votação grande o suficiente para formarem, sozinhos, o quociente eleitoral.

Esperar que os 513 deputados devessem obter, individualmente, os votos do quociente eleitoral é simplesmente absurdo. Aliás, seria impossível imaginar essa situação, pois seria o equivalente a supor que os deputados eleitos recebessem, somados, 100% dos votos dos eleitores. Do que resultaria que nenhum outro candidato além dos eleitos deveria sequer ser votado. A rigor, se fosse levado a sério o argumento da matéria, apenas deputados com mais de 100 mil votos seriam eleitos – afinal, em 24 estados brasileiros o quociente eleitoral para deputado federal é igual ou maior que esse número. Em São Paulo, a regra exigiria 300 mil votos!

Infelizmente, a análise do El País criou mais confusão do que esclareceu acerca da realidade política brasileira. Divulgada da forma como o foi, a manchete simplista sugeriu que deputados são eleitos sem ter votos, o que não é verdade. Mesmo assim, existe, de fato, uma discussão sobre a forma como são eleitos os deputados, mas passa longe dessa abordagem desastrada.

A eleição proporcional é um bom critério, e é democrática. Mas nada impede que seja diferente

Os deputados federais – e também os deputados estaduais e vereadores – são eleitos pelo critério proporcional, que considera as votações individuais de cada um combinadas com a votação do partido ou coligação de que fazem parte. Em resumo, isso quer dizer que não serão eleitos, necessariamente, os candidatos mais votados, e sim os partidos ou coligações mais votadas (cuja votação corresponde à soma dos votos individuais de seus candidatos e da legenda). Depois de estabelecida a quantidade de deputados a que cada partido ou coligação tem direito, as cadeiras são ocupadas pelos respectivos candidatos mais votados.

Contra essa forma de eleição, há muita gente que opina que os deputados federais eleitos deveriam ser simplesmente os mais votados, desprezando a composição da bancada pelos partidos ou coligações. Por exemplo, o Paraná tem 30 cadeiras na Câmara Federal; por esse raciocínio, deveria eleger os 30 candidatos mais votados. Em 2014 foi quase isso: 27 deputados federais eleitos estiveram entre os 30 mais votados; outros três chegaram perto, mas foram eleitos pelo critério da bancada do partido ou coligação.

Sobre isso, é preciso esclarecer que hoje, na prática, a grande maioria dos deputados federais eleitos é formada pelos mais votados de seus estados. Apenas 45 deputados de todos os 513 que estão na Câmara Federal não estiveram na lista dos mais votados de seus estados. E mesmo assim não tiveram votações desprezíveis. Foram eleitos também pelos votos que receberam diretamente de seus eleitores. Assim, pelo menos 468 deputados federais teriam sido eleitos mesmo que fosse utilizado o critério de eleição dos mais votados.

Em outras eleições, existiram alguns casos que, por serem extremos, lançaram polêmica sobre essa forma de votação, como o caso de Enéas Carneiro, presidente do extinto Prona e figura famosa na política nacional dos anos 90 pelo seu bordão marcante. Ele foi eleito deputado federal em São Paulo com mais de 1,5 milhão de votos e contribuiu para a eleição de um candidato do seu partido que havia recebido menos de 400 votos, uma das menores votações do estado. Mas, em regra, não se chega a tantos extremos. Em 2014, Celso Russomano quase bateu o recorde de Enéas, ultrapassando a marca de 1,5 milhão de votos, e ajudou a eleger um candidato com pouco mais de 20 mil votos. Não foi considerado tão absurdo.

Na Câmara de Vereadores de Curitiba, por exemplo, temos 38 vereadores, sendo que 30 deles estiveram entre os mais votados e apenas oito foram eleitos a partir da votação de seus partidos ou coligações. Mais ainda: nenhum vereador fez, sozinho, a votação necessária para o quociente eleitoral, que foi de aproximadamente 24 mil votos.

A questão da proporcionalidade está longe de ser um problema na política nacional, e não serve para explicar a má qualidade dos nossos representantes. A eleição proporcional é um bom critério, e é democrática. Mas nada impede que seja diferente. O mais importante é acabar com o mercantilismo na política, a troca de favores, as campanhas financiadas por empresas e o domínio de famílias tradicionais nas bancadas. Eis as verdadeiras distorções da política nacional.

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