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A questão do grande deficit habitacional do Brasil – ou seja, da falta de moradias – não tem sido enfrentada à altura pelos governos municipais, estaduais e federal. Políticas habitacionais costumam ser insuficientes até mesmo para serem consideradas paliativas, já que não conseguem nem frear o crescimento do problema.

Embora tenha havido um recuo no déficit habitacional total entre 2007 e 2012, a demanda por moradias aumentou na população de mais baixa renda nesse período, revelando a insuficiencia dos programas de ofertas de moradias acessíveis.

O programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV), ainda que financie milhões de moradias, muitas vezes apoia apenas a produção habitacional do mercado imobiliário, e não a construção de moradias populares, que dependem da iniciativa dos municípios e dos estados, muito lentos na ação nesse tema. Movimentos por moradia também podem atuar na política habitacional, por meio do chamado “MCMV entidades”, que permite a parceria dessas entidades com o programa federal. Nesse caso, os movimentos também dependem da disposição dos órgãos públicos e da possibilidade de acessar terrenos para a construção de empreendimentos, tarefas difíceis.

O que deveria ser uma política de garantia da dignidade acaba se revelando uma forma de reforçar a exclusão social

Fora das iniciativas do programa federal, estados e municípios realizam pouca política habitacional com recursos próprios, reduzindo as possibilidades de atender ao déficit. Além disso, os planos diretores municipais não costumam enfrentar a especulação imobiliária, naturalizando os preços altos dos terrenos que encarecem a produção de moradias.

Nessa realidade, moradias populares são construídas em terrenos distantes e com materais de má qualidade. O que deveria ser uma política de garantia da dignidade acaba se revelando uma forma de reforçar a exclusão social.

Frise-se que o fato de as casas serem de má qualidade e os terrenos serem distantes não significa, necessariamente, que os empresários e proprietários não tenham sido bem remunerados. A lucratividade do negocio não é prejudicada nas políticas públicas, que, pelo contrário, muitas vezes são realizadas para socorrer essas empresas em episódios de crise, motivação que chega a ser mais importante que o próprio atendimento à demanda habitacional.

Não bastasse o descaso com o resultado das construções de moradias para a baixa renda, o processo de construção desses empreendimentos também pode revelar contradições notáveis. Por exemplo, em 2015 o Ministério Público do Trabalho identificou, na cidade de Palotina, a construção de moradias populares pela Companhia de Habitação do Paraná (Cohapar), do governo do estado do Paraná, na qual existiam trabalhadores na condição análoga à de escravo! A situação está relatada na Ação Civil Pública 0010298-30.2015.5.09.0655, da Vara do Trabalho de Assis Chateaubriand. No processo, a Cohapar já foi obrigada a assegurar condições básicas de trabalho aos operários, incluindo a garantia de alojamentos e instalações sanitárias adequadas, já que, na opinião do juiz, os trabalhadores e seus familiares estavam alojados em locais assemelhados a “pocilgas”.

Como se vê, os governos veem na política habitacional um processo industrial, estritamente econômico, que consiste em construir determinado número de moradias, do menor tamanho, da pior qualidade, na pior localização e com a maior lucratividade possíveis. Essa situação não vê limites: a equação inclui manter nas piores condições de trabalho possíveis os operários que constroem o empreendimento habitacional.

Mas, na verdade, a política habitacional deveria consistir em assegurar a melhor dignidade possível. O resultado de um empreendimento habitacional deveria ter como objetivo a construção de moradias da melhor qualidade possível, em localização digna e respeitando os direitos trabalhistas na obra.

Para isso, é necessária a implantação de políticas habitacionais firmes, que destinem recursos para a produção de moradias para as populações que mais precisam – de baixa renda –, e combinadas com instrumentos nos planos diretores municipais que enfrentem a especulação imobiliária, possibilitando a construção de empreendimentos de melhor localização. Afinal, habitação é dignidade. Existe disposição para isso?

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