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Depois de ter ficado surdo aos sete anos, a criança ainda conseguia “ouvir” o que as pessoas ao seu redor falavam. Acostumado com a conversa da sua mãe, do seu pai e seus familiares, entendia completamente o que falavam, ouvia! Mas quando, por farra, seu primo cobriu a boca enquanto falava, ele descobriu o silêncio total.

Se não visse, não “ouvia”. Esse é um dos casos que Oliver Sacks menciona em seu livro, “Vendo Vozes”, sobre a cultura e a língua dos surdos. Seu livro é um convite para conhecer esse fenômeno tão especial que é a comunicação entre os surdos.

Há alguns anos, descobri o incrível mundo dos surdos e sua língua de sinais, no Brasil, a língua brasileira de sinais, “libras”. Fiquei muito surpreso. Primeiro, porque existem muito mais surdos do que nós imaginamos. Normalmente, uma pessoa surda consegue te levar em lugares onde todos são surdos, e você se impressiona com tanta gente. E aí se sente como um surdo no meio dos ouvintes: todos conversando, contando piadas, achando graça – tudo em língua de sinais –, e você sem entender nada.

Durante muito tempo a tendência dominante na educação de surdos foi adaptá-los para a comunicação oral

O segundo motivo que me deixou surpreso foi a riqueza da língua de sinais. Eu percebi que os surdos podem falar sobre tudo nessa língua. Aprendendo mais, conheci pessoas de alto grau acadêmico para quem a principal língua é a libras. Nos Estados Unidos, há uma universidade em que só se usam línguas de sinais: é aquele silêncio...

Ou não. Encontro de surdos, normalmente, é uma barulheira. Eles batem o pé no chão, batem as mãos e até gritam. Para eles, não é nada, mas para quem está ouvindo é uma confusão. É mágico perceber a comunicação acontecendo em sinais.

Nesse percurso, conheci a Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis), onde descobri a difícil luta dos surdos pelo reconhecimento de sua língua. Para os surdos, é fundamental que a sociedade se prepare para a comunicação por meio dos sinais, mas normalmente se exige o contrário: que o surdo seja capaz de se comunicar pela língua oral.

Durante muito tempo a tendência dominante na educação de surdos foi adaptá-los para a comunicação oral. Os surdos eram ensinados a falar e a ler lábios, muitas vezes com recursos violentos, como as mãos amarradas, para impedir os gestos. No mundo inteiro era assim, já que um congresso sobre educação de surdos realizado em Milão, em 1880, havia decidido pela prevalência da língua oral sobre os sinais.

Com o tempo, percebeu-se que assim seria impossível. De forma clandestina, os surdos praticavam a língua de sinais entre eles, enquanto a educação oralista significava apenas opressão. Em todo o mundo, renasceram as línguas sinalizadas, até que no congresso realizado em Hamburgo, no ano de 1980, os participantes manifestaram-se em defesa da língua de sinais.

No Brasil, em 2002, a Lei Federal 10.436 reconheceu a validade da língua de sinais como meio de comunicação e expressão. Mesmo assim, órgãos públicos e empresas privadas ainda não adotam práticas acessíveis aos surdos, deixando-os à margem da comunicação cotidiana.

Por exemplo, a TV Senado recentemente aboliu a tradução em libras de sua programação, e a maioria das emissoras de TV insistem em oferecer apenas legendas ocultas automáticas, cheias de erros.

Por outro lado, também existem os exemplos positivos: recentemente, o Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região propôs, por iniciativa do Desembargador Ricardo Tadeu Marques da Fonseca, a criação de um dicionário jurídico em libras, a TV Câmara mantém sua tradução em libras normalmente, como foi noticiado pela Gazeta do Povo, e muitos programas religiosos na TV se esforçam para oferecer a acessibilidade em libras.

Outra questão importante é a interação entre as pessoas. A maioria dos ouvintes encontra dificuldades na interação com os surdos, por não terem nenhum grau de conhecimento em libras, ou, muitas vezes, por sequer terem convivido na escola ou em algum ambiente da vida com pessoas surdas.

Por isso, acredito que seria muito interessante se todos tivessem a experiência de aprender um pouco de libras, que poderia, inclusive, ser uma matéria escolar. Que todos possam ter a experiência de falar com as mãos e de ver vozes.

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