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Rio de Janeiro – Com certa periodicidade, há espasmos de moral e de compostura na vida pública, principalmente após eleições de novos governos e, sobretudo, após movimentos revolucionários. Lembro um caso registrado por Humberto de Campos em "Notas de um Diarista", obra póstuma, mas referente aos primeiros dias da Revolução de 30.

O escritor, deputado federal cassado, comprara um décimo de bilhete da loteria federal e fora premiado com o mesmo dinheiro da compra, na época, 20$000 réis. Desistindo de tentar novamente a sorte, foi à casa lotérica para receber a quantia de volta. Mostrou a fração premiada, mas teve de se identificar. Seu nome constava de uma lista de pessoas que não podiam receber dinheiro oficial, uma vez que a loteria era administrada pela Caixa Econômica. Como ex-deputado, qualquer transação, por mínima que fosse, com as burras do governo, exigia complicado trânsito administrativo.

Orientado pelo gerente da casa lotérica, depositou o bilhete numa agência do Banco do Brasil como um valor qualquer, esperou uns dias e finalmente recebeu em espécie 18$000 réis, uma vez que o banco cobrou a comissão de 10% a que tinha direito. Com medidas assim, o governo revolucionário que depusera a República Velha, carcomida pela improbidade na vida pública, instaurava um novo tempo, embrião de um Estado Novo que seria instalado em 1937.

Em 1964, após o movimento militar, a onda moralista ressurgiu ferozmente. Lembro a batida na casa do deputado Leonel Brizola, que estava no exílio. Levaram roupas e sapatos de sua mulher, que era irmã do presidente deposto, para a perícia e confronto com as declarações de renda do casal. Não temos revoluções à vista. Mas desconfio de muito moralismo.

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