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O pai me botou de castigo num barracão que havia no fundo do quintal, onde guardava ferramentas que não mais eram usadas e um pedaço do remo que fazia parte do barco em que morrera seu avô, num acidente perto de Paquetá

Naquele tempo, como os Evangelhos lidos nas missas, todas as quitandas tinham, bem expostos na entrada, um feixe de varas de marmelo. Fininhas, um pouco recurvas na parte de cima, eram tidas como inquebráveis. Um pai que se prezava tinha sempre uma delas, também em lugar de destaque dentro de casa. Era o instrumento preferencial para surrar os filhos que fizessem qualquer avaria na ordem doméstica.

O irmão mais velho era o seu freguês preferencial. Rara a semana em que a vara não funcionava em cima das pernas dele. Ressabiado, posso não ter feito grandes façanhas em minha vida, mas nunca experimentei o seu rigor e serventia. No máximo, levava alguns cascudos mais ou menos simbólicos, menos no dia em que deixei o galinheiro aberto e as galinhas fugiram.

Ele ia inaugurar a vara em cima de mim, mas a mãe, prevendo a catástrofe, escondeu-a do pai, que foi à quitanda comprar outra e esquecer a vontade de me punir. Mesmo assim, tive o que merecia: o pai me botou de castigo num barracão que havia no fundo do quintal, onde guardava ferramentas, penicos e escarradeiras que não mais eram usadas e um pedaço do remo que fazia parte do barco em que morrera seu avô, num acidente perto de Paquetá.

Quando entrei na Academia Brasileira de Letras, fiquei pasmo ao ver, no Salão dos Poetas Românticos, exposto como relíquia, um pedaço, acho que da proa, do Ville de Boulogne, o navio em cujo naufrágio morrera Gonçalves Dias na costa do Maranhão. Penso logo naquele remo e naquele barracão que foi a primeira de outras celas que frequentaria mais tarde.

Passei uma tarde inteira ali, entre enxadas, picaretas, ancinhos, escarradeiras e penicos desativados, mas achando que estava no lucro.

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