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A mulher da minha vida estava preocupada porque nosso filho não tem móveis para mobiliar o quarto da república universitária onde vai morar, em outro estado. Tive de lembrar a ela que, quando ela tinha a idade dele, nosso sofá da sala consistia em dois colchões empilhados.

A juventude é a hora certa para a roubada: é a hora de viajar de carona com uma mochila nas costas, morar sem móveis, entrar para a Legião Estrangeira, fazer longas peregrinações a pé, ter uma bicicleta velha como principal meio de transporte e, principalmente, achar tudo isso ótimo. É exatamente para isso que serve a juventude; depois do aconchego do lar materno, é na juventude que esticamos as asas que puderam crescer graças à proteção dos nossos pais e alçamos nossos primeiros voos. Decolamos do ninho e, claro, damos com a cara no chão. E de novo, e de novo, e de novo, porque afinal é para isso que ela, a juventude, serve. Cada roubada em que nos metemos quando somos jovens é uma lição insubstituível que nos chega na hora certa. Assim como as crianças pequenas parecem ter ossos de borracha, que ainda por cima quando quebram soldam-se de novo em 15 dias, o rapaz ou a moça tem um corpo capaz de aguentar maus tratos atrozes e uma alma repleta de coragem.

Jovens, não façam concurso público; enfiem-se em roubadas maiores.

A juventude é a hora em que devemos nos casar e ter filhos, tomar um fuzil e defender a Civilização, tocar saxofone até a boca sangrar e aprender uma língua que usa um alfabeto diferente. De preferência tudo ao mesmo tempo, ou quase.

Em nenhum outro momento da vida seria possível se enfiar com tanto proveito em tantas roubadas. Este é um privilégio da juventude, e só dela. A criança também tem a resiliência dos jovens, mas não tem ainda a teimosia e a cabeça-dura tão indispensáveis para desbravar o mundo. Os mais velhos nunca aguentariam o tranco, e frequentemente a cabeça já ficou dura demais.

Foi na época em que dois colchões se faziam de sofá, na nossa sala de jovem casal sustentado pelos meus parcos ganhos como professor, que eu e a mulher que tanto amo subimos numa motinha e fomos para Salvador. De moto. Pela areia da praia. Atravessando rios largos e fundos com a moto em cima de uma canoa, e eu em cima da moto com um pé em cada beirada da canoa, e dois índios nadando, empurrando a canoa. Por todo e qualquer critério, trata-se de uma roubada monstruosa, de coisa que ninguém em sã consciência faria aos 40 anos. Mas a juventude é justamente o momento em que não temos ainda o direito de alegar sã consciência, mas já temos o direito e o dever de dar a cara a tapas enquanto descobrimos o mundo ao nosso redor.

Jovens, não façam concurso público; enfiem-se em roubadas maiores. Acreditem, no futuro vocês vão me agradecer.

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