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Em certa sociedade é comum ouvir-se críticas à ação social da Igreja e, muito mais, às suas declarações sobre a política econômica. Julga-se que a Igreja não deve tocar em assuntos temporais, mas ocupar-se só com o espiritual. Mas a violência, a impunidade, a falta de saúde e de educação, a fome de grande parte da população não dizem respeito ao Reino de Deus que Jesus veio anunciar e inaugurar e que a Igreja pretende atualizar. No domingo passado, o evangelista Marcos descreveu a chegada de Jesus diante da multidão: compadeceu-se deles, porque eram como ovelhas sem pastor. E começou a ensinar, com a conseqüência de que, no fim do dia, teve de alimentar a multidão. Hoje para descrever este gesto, a liturgia prefere dar a palavra ao evangelista João, porque nos domingos seguintes vai continuar o "sermão do Pão da Vida".

A maneira em que João apresenta a multiplicação dos pães salienta que Jesus não agiu surpreendido pelas circunstâncias (a hora avançada), mas porque Ele quis apresentar pão ao povo para mostrar, depois, qual é o verdadeiro pão. Se em Marcos, Jesus manda os discípulos distribuir o pão, João diz que Jesus mesmo o distribuiu para acentuar que o pão é o dom de Jesus. E, no fim, João menciona que o povo quer proclamar Jesus rei. Mas Ele se retira, sozinho, na região montanhosa. Este último traço é muito significativo. Jesus não veio propriamente para distribuir cestas básicas e ser eleito prefeito, governador, presidente, para resolver os problemas materiais do povo. Isto é apenas um sinal que acompanha sua missão. Para resolver os problemas materiais do povo há meios à disposição, desde que as pessoas ajam com responsabilidade e justiça.

Mas para que isso aconteça é preciso algo mais fundamental: que conheçam o Deus de amor e justiça que se revela em Jesus. É para isso que Jesus vai pronunciar o sermão do Pão da Vida, como veremos nos próximos domingos. A preocupação social da Igreja deve pautar-se por essa linha. Para resolver os problemas econômicos e sociais, não é preciso vir o filho de Deus ao mundo. Os meios estão aí. O Brasil é rico; é só ter pessoas justas, sensíveis às necessidades do povo, para bem gerenciar essa riqueza. Mas a missão da Igreja é, em primeiro lugar, colocar os responsáveis diante da vontade de Deus, como Jesus fez. E criar uma comunidade em que as pessoas vivam como Jesus ensinou. Isso não significa pregar ingenuamente a boa vontade, sem fazer nada que obrigue as pessoas a pô-la em prática. Somos todos filhos de Adão, portadores de pecado desde a origem. Quem diz que não tem pecado, fala mentira (I Jo 1,8-10). A boa vontade de usar bem os meios econômicos, segundo a justiça social, precisa de leis que funcionem, de mecanismos econômicos e de estruturas que os reproduzam para amarrar essa boa vontade a realizações concretas.

Não é o papel da Igreja inventar e implantar tais mecanismos, assim como Jesus não se transformou em fornecedor de pão e de bem-estar. Mas a Igreja tem de mostrar o rosto de Deus, que é Pai de todos e deseja que nos tratemos como irmãos. E para isso Ele não pode deixar de apontar quais são as responsabilidades concretas.

Dom Moacyr José Vitti é arcebispo de Curitiba

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