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O Evangelho de hoje nos apresenta um exemplo de religiosidade autêntica: uma pobre viúva que liberta o seu coração dos bens deste mundo e doa tudo o que tem. Para compreender a importância desse episódio é preciso lembrar que esta viúva não tinha conhecido Jesus, não ouviu os seus ensinamentos, não respondeu a um chamado, não se tornou uma sua seguidora. Não o acompanhou como fizeram os doze e muitas outras mulheres que ficaram a seu lado durante os três ano de vida pública. Ela representa todos aqueles que, também em nossos dias, mesmo não tendo lido uma única página do evangelho, tem uma vivência evangélica. A narrativa tem o objetivo apresentar aos discípulos um modelo que deve ser admirado e imitado. A primeira lição, a mais simples e imediata, é de humildade: a viúva merece o elogio de Jesus porque cumpriu o seu gesto sem despertar atenção de ninguém, sem querer aparecer. Esta, porém, não é a mensagem principal da passagem.

Quatro domingos atrás meditamos sobre o episódio do jovem rico que tinha sido fiel a todos os mandamentos, mas não seguiu Cristo porque não teve a coragem de abandonar todos os seus bens. A pobre viúva, ao contrário, doa tudo o que tem. Doa duas moedas de cobre. Poderia ter guardado uma para si, mas não age assim, oferece tudo o que tem. Cumpre a condição indispensável para se tornar discípulo: renuncia a tudo. Cristão não é o homem rico que, possuindo muito bens, pode dar generosas esmolas, oferecendo parte daquilo que lhe sobra: cristão é só aquele que, rico ou pobre, coloca à disposição dos irmãos "tudo" o que possui. O pobre também é convidado a partilhar os seus bens.

Não há ninguém tão pobre que não tenha nada a oferecer. Mas como proceder? Pode haver alguém que, baseando-se em bons motivos, se faz esta pergunta: se coloco à disposição de todos, também dos que não querem trabalhar, o meu dinheiro, a minha casa, o meu carro, não estarei incentivando a preguiça, a indolência, o parasitismo? Não é esta a generosidade que Cristo propõe. Cada qual deve esforçar-se para conseguir a autossuficiência, deve trabalhar para sustentar com dignidade a própria família, mas deve proceder de forma a sentir-se responsável também pela vida dos outros.

Quantas desculpas aparecem quando alguém não quer se envolver com os problemas dos outros! Quantas formas de egoísmo se escondem sob o véu da preocupação primordial pelos próprios familiares! A terceira lição é a mais importante: a viúva que oferece tudo é uma imagem de Deus, é uma imagem de Jesus Cristo que, "sendo rico, se fez pobre" (II Cor 8,9). Talvez por causa de um ensinamento catequético errôneo muitos podem ter assimilado uma imagem distorcida de Deus: imaginando-o, quem sabe, como um senhor exigente e severo, que impõem ao homem pesadas cargas, que cobra a entrega de todos os bens que possui porque tudo lhe pertence, porque tudo é seu.

Sob este prisma é impossível entender como Cristo, – tendo assumido uma forma de escravo – possa ser imagem perfeita de Deus grande e onipotente. A sua condição humana, a sua humilhação, a sua morte na cruz é considerada como acidentes de percurso, na expectativa que ela manifeste a sua verdadeira glória no fim dos tempos, quando Ele chegará, vindos das nuvens do céu, O lugar da revelação mais sublime da face de Deus é o Calvário. É ali que Deus mostrou quem é. Ele não exige, mas doa, doa a si mesmo plenamente ao homem. Não quer que os homens se prostrem diante dele, quer vê-los ajoelhados, diante dos irmãos para lavar-lhes os pés. Não quer que deem a vida por Ele. Mas que, junto com Ele, ofereçam aos irmãos. A viúva é a imagem de Deus e de Cristo, porque se despoja de tudo o que tem e oferece em doação aos outros.

Dom Moacyr José Vitti CSS, arcebispo metropolitano

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