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É carnaval, essa doce ilusão, promessa de vida no seu coração, eu sei, mas morte por morte sou mais a quaresmal. Não tenho saudades do carnaval. Absolutamente. Faz anos faço questão de permanecer em Curitiba, que fica cidade maravilhosa, cheia de encantos mil nessa época. Tem o bailinho infantil do Clube Curitibano, porém, o que rende uma breve guerra fria lá em casa. Como em toda diferença de casal, vocês sabem quem ganha e amanhã levarei meus filhos “brincarem o carnaval”. Não gosto, faz-me recordar de quando era piá morando no interior, em Marialva.

Meus pais faziam os filhos participar de um bloco infantil. Havia competição de fantasias, essas coisas. As fotos da época – vestido de palhaço, super-homem etc. – não negam minha tristeza, mulata. Odiava, mortalmente. Só fui pedir bandeira branca, amor, naquela fase juvenil em que cachaça parece água, sim. Ia aos bailes adultos do Clube Santa Mônica, até arranjei namorada lá. Mas não fui um pierrô muito apaixonado, ninguém fez pano de prato da cueca que ganhei de presente e o namoro não lembro ter durado até o carnaval seguinte.

Num dos bailes fiquei tão pra lá de Bagdá que precisei de injeção de glicose. Eu parecia um raciocínio da Dilma, perdidaço

Num dos bailes fiquei tão pra lá de Bagdá que precisei de injeção de glicose. Melhorei na hora e, macho, saí pronto para tomar outras. Mas o salão me censurou, rodava como uma baiana. Socorri-me no banheiro mais próximo. Mas o WC tinha – ainda tem, acho – uma parede semicircular na entrada e no meu estado era mais fácil achar a saída para Hogwarts do que para o salão. Eu parecia um raciocínio da Dilma, perdidaço. Um grande amigo me resgatou, levando-me para casa. Acordei no dia seguinte como a Camélia depois de ter caído do galho, antes dos dois suspiros.

Não devo ter durado uns dois anos nesta vida, talvez três. Sempre me lembro de Santo Agostinho quando recordo esses carnavais. Não deixa de ser algo de simbólico o clube levar o nome de sua mãe, que na época em que o filho tinha lá seus 19 anos não sabia o que fazer vendo o jovem afundado no pecado. Foi buscar amparo no bispo que, comovido com tamanha dor, disse-lhe a frase que entraria para a história: “Vai-te em paz, mulher, e continua a viver assim, que não é possível que pereça o filho de tantas lágrimas”.

Demorou “apenas” nove longos anos para que Agostinho se convertesse para valer. Graças a Deus todo carnaval tem seu fim e o de Agostinho começou a terminar com a morte de um grande amigo. Veio a quarta-feira de cinzas de sua vida, que é, por um lado, tempo de ressaca, quando não suportamos a nós mesmos: “Eu era para mim mesmo uma infeliz morada, na qual era ruim e da qual não podia sair. E para onde iria meu coração, fugindo de si mesmo? Para onde fugir de mim mesmo? Para onde não me seguiria?”

A Quaresma, como prática obrigatória para os cristãos, foi instituída no século 4.º, inspirada na preparação para a Páscoa que a Igreja primitiva fazia com os pagãos e os irmãos desgarrados, afogados no carnaval dos pecados mortais. Aqueles eram preparados para receber o batismo; estes, o sacramento da confissão, sendo reintegrados na comunidade, ambos no Sábado Santo. Caso queira entender melhor o que significa esse período, carnavalesco leitor, sugiro leia as Confissões de Santo Agostinho. Eu irei reler, faz alguns anos me faço acompanhar delas nessa época. Aliás, daqui até a Páscoa essa coluna só falará disso, dessas Confissões. Por quê? Bem, se você fosse sincera, ô ô Ô ô, Aurora, não precisaria perguntar.

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