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Acostumamo-nos a acreditar que as revoluções alçam os povos a níveis civilizatórios superiores. A francesa, por exemplo, aboliu a escravidão mas, em 1802, Napoleão a reintroduziu, levando a França a nova abolição em 1848. Ancien Régime e restaurações de ordens pré-revolucionárias sempre soam como atraso, retrocesso, algo a ser evitado. Os processos políticos de desconcentração de poder, de redução da violência nas relações entre indivíduos e do Estado em relação às pessoas, de aumento da liberdade individual e das oportunidades de realização emocional e intelectual para todos, encaixam-se no conceito teórico de revolução. Porém, realidade e teoria raramente se entendem.

A palavra revolución – carregada com o tônus castelhano – sonorizou bocas ao redor do mundo. Revolution se tornou moda na voz dos Beatles. Ninguém quer ser démodé. Projetos políticos primitivos, que fariam sentido antes do Iluminismo, se apresentam como revolucionários e usam a palavra revolução como mágica para mudar os fatos. Alguns conseguem levar essa puerilidade simplória até a tragédia se tornar cômica, puro realismo fantástico. "La Revolución importará 50 millones de rollos de papel higiénico", disse o ministro do Comércio da Venezuela enquanto afirmava que a oposição estava fomentando sobre demanda para gerar escassez. Impossível manter a fleuma diante da compulsão hilariante.

Ligar o charme revolucionário à incompetência para suprir necessidade fisiológica tão primária detona a aura dos barbudos andantes que iam mudar o mundo. Agora, ao olhar uma camiseta com a estampa de Guevara, vem à mente: esses caras não conseguiram nem produzir papel higiênico! Competentes para fuzilar; para governar, desastrosos!

De onde se importarão os 50 milhões de rolos de papel higiênico? De Cuba, da Coreia do Norte? Claro que não! Economias planificadas não têm o suficiente para prover a higiene de seu próprio povo e ainda, impedir que a Venezuela volte à era do sabugo. O papel higiênico será comprado dos "porcos" capitalistas que produzem para obter lucros. Como farão para purificar o papel das impurezas da plus valia? Talvez devam chamar o Alfredo.

Quem se enfia tão fundo em convicções e acredita estar construindo o paraíso, tende a reagir de modo violento e pugilar contra os fatos que infirmam os discursos, atribuindo-os a forças misteriosas (CIA, Mossad, KGB), a oposicionistas (qualquer um que tente manter a lucidez no hospício político), a forças do atraso. Calar a voz que anuncia a nudez do rei é a providência imediata de todos os revolucionários que admitem a brutalidade como parteira da história. Paredón – assim, em espanhol – também rodou o mundo como palavra gêmea de revolución.

A Venezuela é laboratório vivo de processo descivilizatório. A organização política era de república oligárquica, mas não tirânica, tanto que o próprio Chávez disputou eleição, venceu e tomou posse. Daquele ponto em diante era possível alinhar a proa com avanços civilizacionais que eliminassem entreveros sectários e a concentração de riqueza econômica e cultural. Ao transformar o jogo político numa espécie de batalha de gladiadores no Coliseu, o país está regredindo. A comédia é trágica.

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