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Antes da invenção da escrita as pessoas viviam com uma pequena quantidade de informações que eram transmitidas verbalmente. Para não esquecê-las, recorria-se à rima e melodia. A poesia e a música, além de prazerosas, tinham a função de assegurar a gravação na memória dos jovens. Esse método propiciava a narração da origem mítica da tribo, das guerras e a comunicação de instruções sobre as habilidades para fazer os objetos úteis à sobrevivência. Com isso, não era necessário inventar a roda a cada geração. Porém essa tradição oral padece de limitações intensas: não se consegue verbalizar informações sobre técnicas sofisticadas e, além disso, a memória humana é ineficiente.

Quando alguém recebe uma informação verbal a seqüência de atos até a gravação na memória é muito mais complexa do que o registro feito por uma máquina numa fita, disco ou chip. As pessoas, ao receberem informação, fazem um filtro de interpretação, depois conectam a novidade com os dados que já estão armazenados, decidem se aquilo é importante e só então, gravam. Mas nesse momento a informação não é exatamente igual àquela que foi recebida e, ao ser transmitida no futuro a outra pessoa, haverá nova modulação às circunstâncias e emoções envolvidas. Na mente humana informações extremamente objetivas, como números e tamanhos, ganham conotações e cores que as tornam subjetivas. Essa característica é debilidade e riqueza ao mesmo tempo.

As pessoas não conseguem dizer de memória, com certeza, quanto de grãos foi produzido na safra de 1970, todavia se lembram dos 90 milhões em ação e da alegria do Pelé ao marcar os gols, do Jairzinho dando passes que deixavam a bola pronta para o Pelé chutar, do bigode do Rivelino armando o meio de campo. Os imperativos da natureza nos acossam todo o tempo: fome, doenças, compulsões físicas. Para vencê-los, carecemos de técnicas que cada geração foi desenvolvendo. A grafia foi desenvolvida para assegurar objetividade na transmissão dessas informações, pois se vive em prosa ainda que a memória funcione em poesia.

A escrita é uma ferramenta e como tal foi objeto de aperfeiçoamento ao longo do seu uso. Inicialmente destinada a registro contábeis, passou a ser também manejada pelos poetas, permitindo o trânsito entre a denotação e a conotação, entre a objetividade e a subjetividade. Essa técnica de gravação de informações sobre pedra, barro, peles, papel, permitiu o acúmulo de informações tecnológicas por várias gerações. Contudo, o fato da escrita ser uma habilidade artificial difícil de ser dominada, aliado à dificuldade de fazer cópias dos textos grafados em suportes pesados ou caros, a restringiu a um grupo pequeno durante milênios. Bibliotecas guardavam e compilavam anotações que eram acessíveis a poucas pessoas. Em Alexandria os gregos e egípcios formaram um acervo que se acredita tenha sido o maior repositório de conhecimento da antiguidade. As traças destruíram uma parte e a obtusidade ideológica, a fobia à diversidade do pensamento, destruiu o resto.

A combinação entre o alfabeto latino, a técnica chinesa de fabricar papel e a tipografia móvel inventada na Europa expandiu o número de autores e de leitores. Porém, de Gutemberg até a internet passaram-se quinhentos anos sem inovações que permitissem sair da escassez para a abundância de informações. Levar um livro escrito em idioma compreensível, com a informação específica, a uma pessoa determinada era muito caro. O custo, somado à inércia malemolente da ignorância, sempre foi uma boa desculpa para não ir às bibliotecas, para não ler jornais, revistas, livros.

A internet é a nova Biblioteca de Alexandria com a facilidade de que qualquer informação desejada pelo leitor é entregue instantaneamente a custo módico. A abundância de informações foi alcançada. Permanece o problema da escassez de interesse e para isso não há solução à vista.

Friedmann Wendpap é juiz federal e professor da UTP.

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