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"A violência é tão fascinante", diz o primeiro verso da música de Renato Russo. Eu não compreendia o significado desse fascínio enquanto cantarolava e, acompanhando a melodia, balbuciava que amar ao próximo é tão démodé.

Laranja Mecânica, Pulp Fiction, Kill Bill. Odes à estética da violência passaram diante dos olhos de milhões de pessoas em horário nobre. Bestializado, vi e não entendi a mensagem política daquela sangueira de gente robotizada pelos vícios e sem empatia pelo sofrimento alheio. Mortes às centenas e não há velório, mãe chorando, filho em desespero pela perda do pai. As pessoas são apenas objetos na paisagem: bater numa vidraça ou no rosto de alguém é a mesma coisa. À época, não consolidei opinião sobre esses filmes. Pensando retrospectivamente, são abjetos, nojentos, mas foram incensados como obras de arte, beleza niilista.

O trololó marxista dos anos 70/80 repudiava a "coisificação" das pessoas no capitalismo porque cada ente era apenas potencial trabalhador ou consumidor, número na contabilidade da plus valia. Para acelerar a queda do capital, essa linha de pensamento estimulava os meios violentos. Brigadi Rossi e Baader-Meinhof mataram e aleijaram a pretexto de abrir caminho para as portas do paraíso socialista. Professores fascinados pela violência deram aval intelectual à ação de jovens universitários clones de Alex DeLarge, o animalesco protagonista de Laranja Mecânica.

Admitir a violência como meio de ação política é ver as pessoas como objetos a remover caso obstaculizem o ideário do violento. Violar para chamar a atenção é usar a vítima como meio para alcançar um fim. Atirar pedra na cabeça do policial durante passeata, alegando que ele é a presença do Estado, o transforma num objeto, subtrai a humanidade de quem está ali angustiado pensando nos filhos em casa. A dignidade humana, na expressão kantiana, significa que as pessoas são a finalidade de todas as coisas, nunca o meio para atingir algum fim.

Da violência contra poucos para milhões o caminho político é curto porque a lógica é a mesma. As vítimas de Hitler, Stalin, Pol Pot, Mao Tsé-Tung (só para citar os maiores homicidas modernos) decorreram da concepção de que a violência é politicamente justificável. Alguns intelectuais a veem como bem imprescindível ao arejamento de estruturas sociais arcaicas. Se as vítimas pudessem falar, concordariam com a tese de que sua imolação foi necessária?

No século 19, Clausewitz disse que a guerra é a continuação da política por outros meios. Foi nesse ambiente que Marx formou seu pensamento. A violência, parteira da história na tese de Marx amplificada pelos marxistas, é culturalmente datada. Referendá-la hoje implica afirmar, por exemplo, que Mandela errou ao conduzir a África do Sul pelo caminho da conciliação como modo de ação política. Mandela estava certo porque a violência denota incapacidade de lidar com o dissenso e conota burrice. A força diz quem é mais forte, não quem tem razão.

As Farc, na Colômbia, manifestaram pesar pela dor das vítimas da guerrilha, dizendo que o perdão coletivo serve à causa da paz e reconciliação. Isso é clássico e futurista ao mesmo tempo. A violência dos Black Blocks nas ruas do Brasil é démodé.

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