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O cinquentenário em 21 de abril, data também de Tiradentes e Tan­­credo Neves, é lembrado nas imagens que apresentam ruas largas, arborizadas, trânsito fluído, parques, pessoas sorridentes; mas qual é a realidade de Brasília? Há duas perspectivas a explorar: a política e a rotina urbana. Em ambas a qualidade é sofrível e os atores das propagandas oficiais expressam, com boa qualidade artística, felicidade que não existe de fato.O Distrito Federal, composto pela cidade de Brasília e as satélites, deveria ser politicamente neutro. Essa ideia vem desde o Império, quando a capital estava sediada no município neutro do Rio de Janeiro. A intenção é criar para o governo do país uma base territorial não susceptível aos humores da política de bairro e que, eventualmente, conflite com os dirigentes nacionais; algo assim, como lei municipal proibir o trânsito de automóveis na rua onde fica a sede do governo nacional apenas por birra política. A neutralidade foi praticamente extinta na Constituição Federal de 1988 que deu personalidade política ao Distrito Fe­­deral, determinando a eleição de deputados e governador distrital. Criou-se situação na qual entidade política totalmente custeada pelas verbas federais tem autonomia para agir como se fosse estado da federação. É li­­vre, mas dependente. Despeja-se na administração do Distrito Federal um oceano de dinheiro, fruto da riqueza gerada no restante do Brasil. Dinheiro que vem sem trabalho, diz a sabedoria popular, é vendaval.A autonomia política do Dis­­trito Federal gerou situações que beiram o non sense, a exemplo de feriados distritais que para­­lisam a cúpula do poder federal e de polícia militar sediada nas imediações da sede do governo da nação, mas que deve obediência imediata ao governador distrital. Não vai tão longe, para que se per­­ca a memória, o uso das milícias estaduais em conflitos com forças federais. Não bastante esse objeto jurídico não identificado no qual o DF foi transformado, a autonomia deu azo ao populismo em escala monumental que açulou a esperança de que bastaria ir a Brasília para a classe operária chegar ao paraíso. Migração massiva fez a população se aproximar de 3 milhões de pessoas. Não há empregos agrícolas e industriais, restando apenas os serviços destinados a suprir ne­­cessidades dos empregados públicos. O resultado da equação é uma das maiores desigualdades sociais do planeta, como recentemente atestado por organização internacional.Se a política tem maços de dinheiro em meias de deputados e orações da propina, a situação urbanística não pode, logicamente, ser melhor. Hostil aos pedestres, Brasília é a cidade dos carros. Diga-se, quando se iniciou a sua construção, as grandes capitais do mundo eram servidas por metrô fazia muitas décadas; os pro­­jetistas de Brasília nem sequer deixaram o espaço para a construção dessa modalidade de transporte coletivo. Os poucos ôni­­bus urbanos parecem sucata e a mobilidade das pessoas, entregue aos automóveis particulares, gera o horror visual dos engarrafamentos no eixo monumental.Presenciando o caos dos veículos estacionados em local proibido na frente do Palácio do Planalto, vem a pergunta: como fomos tão incompetentes? Havia o altiplano, o sol e vento em abundância e poderíamos construir cidade agradável, bela, silenciosa, com locomoção coletiva. Fizemos mais uma urbe confusa, barulhenta, suja, ineficiente, carente de marcos civilizatórios, a exemplo da coleta seletiva do lixo.Os edifícios simbólicos denotam ausência de valorização da natureza, exigindo luz e areação artificial. A escusa do desconhecimento da relevância da sustentabilidade quando se iniciou a cidade não vale ante a inauguração recente do Museu da República na Esplanada, com a cobertura de um hectare por concreto. Aque­­cimento, impermeabilização do solo, feiura do cimento que agride a beleza do cerrado. Contraste intenso entre o orgulho do empreendimento épico e a vergonha do resultado mambembe; assimetrias que retratam o Brasil.

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