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 | Ilustração: Felipe Lima
| Foto: Ilustração: Felipe Lima

O matemático John Nash se tornou célebre entre os mortais comuns depois do filme biográfico no qual foi representado por Russell Crowe. O desenvolvimento das análises do equilíbrio em relações cooperativas e competitivas, feito aos vinte anos, foi coroado com o Nobel em 1994. As quatro décadas entre os dois eventos foram marcadas pela esquizofrenia, com paranoia constante de perseguição e afins. Existência incomum; fim ordinário em recente acidente de carro que vitimou o gênio aos 86 anos.

Para nos compreendermos não basta a matemática de Nash, imprescindível desvarios de arte à Frida Kahlo

O filme tem cenas memoráveis. A mim impressionou o momento em que o próprio doente se diagnostica: nas paranoias, Nash era acompanhado por pessoas imaginárias que davam informações extraordinárias a ele; uma guriazinha sempre aparecia nessa “realidade cerebral”. Passou muito tempo e ela continuava jovem. Num estalo, percebeu que ela não existia porque não envelhecia. A luta titânica entre razão e demência teve clímax.

Nash continuou produzindo. Em 2015 lhe foi outorgado o Prêmio Abel, específico para a matemática, por contribuições às equações não-lineares em derivadas parciais que propiciam a compreensão das mudanças do estado de um sistema caracterizado por variáveis. As aplicações ocorrem na física, finanças, biologia, previsão climática, ciência política etc.

Mentes brilhantes soem se apagar ao amadurecer. Até Einstein, hors concours nesse rol, pouco gerou na senectude. Passou a fazer mais política do que ciência e na seara das raposas, não se destacou pela inteligência. John Nash não era militante pacifista. Nem mesmo companhia agradável. O cérebro desarrumado fazia dele pessoa estranha, com percepção de abstrações que mentes saudáveis não alcançam. Parodiando a máxima de que de perto ninguém é normal, de perto era doido; de longe, também.

A ideia que lhe rendeu o Nobel, chamada de equilíbrio Nash, encorpou a teoria dos jogos, conjunto de fórmulas matemáticas para explicação e/ou predição de condutas nas interações entre agentes vivos. Dessa teoria nasceu o conceito de altruísmo recíproco que afastou considerações de moralidade metafísica para explicar cientificamente atitudes cooperativas não compreendidas, a exemplo da partilha de alimento entre vegetais e animais sem vínculo de parentesco.

Nash percebeu que nas relações já estabelecidas os partícipes têm dificuldade para reduzir, abrupta e unilateralmente, os ônus e incrementar os bônus que lhe cabem porque os participantes reagem e a perda do equilíbrio, que pode ser traduzida como desconfiança, torna muito custosa a transação. Na linguagem jurídica, pacta sunt servanda.

Há uso prático para essa teorização. No trânsito viário cada pessoa tem seu próprio objetivo: chegar no menor tempo. Os outros são obstáculos que causam demora. Assim, para atender meu interesse posso competir pelo bem escasso – espaço para trafegar – infringindo normas jurídicas e de cortesia. Avançar sinal, invadir a calçada, parar na caixa amarela, não dar a vez a quem sai da garagem. Ocorre, todos podem adotar a mesma postura e o ruim se torna péssimo. Rompe-se o equilíbrio tenso do sistema.

Racionalmente, a melhor conduta no trânsito é a cooperativa: todos cedendo um pouquinho de tempo chegam mais rapidamente do que cada um tentando ganhar o tempo alheio. Jogo de soma positiva e não de soma zero. Porém somos simultaneamente racionais e passionais. Para nos compreendermos não basta a matemática de Nash, imprescindível desvarios de arte à Frida Kahlo.

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