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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

A distinção conceitual é frágil, mas pode-se dizer que a parte privada a mãe sabe; a íntima, não. A pessoa comum tem vida social, privada e íntima. As celebridades – políticos, artistas, atletas – acrescem a vida pública ao rol. Na dinâmica dos acontecimentos, os lindes podem se diluir, voluntariamente ou não. A privacidade e a intimidade são relevantes?

Há concepções ideológicas que entendem irrelevantes os círculos pequenos de relacionamento e compartilhamento de informações pessoais. O Estado sabe da alcova, cozinha, trabalho, lazer. George Orwell descreveu essa translucidez na figura do Big Brother que tudo vê, ouve e decodifica os pensamentos. Ideocráticos ou teocráticos, isto é, governados por uma ideia laica ou religiosa que se julga a mais perfeita da humanidade, governos dessa espécie tendem à supressão da privacidade e intimidade, transformando todos os seus súditos em entes públicos, políticos em tempo integral.

Ao apagar a fronteira entre a rua e a casa, o id sucumbe ao demo, o individual é anulado pelo coletivo. Quanto maior o grupo, maior a pressão para a conformação ao seu ponto médio. As idiossincrasias, particularidades, caprichos, divergências cedem passo às exigências verticais e horizontais de igualação. Sem recôndito para o ego, o indivíduo é soterrado pela pólis.

As linhas de pensamento defensoras da individualidade, genericamente rotuladas de liberais, tendem a distinguir entre privado e público, singular e coletivo, direito civil e constitucional. No Brasil o âmbito da personalidade é considerado direito fundamental, em alinhamento com o ideário que caracteriza o Ocidente.

A espionagem das telecomunicações de todas as pessoas do mundo seria considerada feito heroico na extinta Alemanha Oriental, na União Soviética e talvez seja na China, Coreia do Norte e quejandos. Mundivisão que prioriza a salus publica sem considerar a possibilidade de composição entre os valores do bem-estar individual e social.

Do ponto de vista da engenharia política é simples, quase rudimentar, eleger o interesse coletivo como predominante e governar ilimitadamente. Até os módicos de sabedoria conseguem fazer. Árduo é constituir e manter estrutura política que assegure a unidade na diversidade, que estimule a individualidade e mantenha coesão suficiente à existência da coletividade. Em suma, as ditaduras são engenhos singelos, primitivos, e as democracias, sofisticadas.

A complexidade da democracia é de difícil compreensão aos desavisados que facilmente se encantam com a simplicidade das autocracias. Por isso ela tem adversários dolosos que a compreendem e odeiam, e culposos aos quais falece tirocínio. Mantê-la exige estrênua política e, eventualmente, ações restritivas da liberdade individual, especialmente no que tange às informações privadas e íntimas.

O mexerico das agências estatais de espionagem, a exemplo do denunciado por Edward Snowden e Julian Assange, deve ser repudiado porque se transformou em veneno, deixando de ser remédio que mantém a saúde das instituições democráticas.

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