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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

Os humanos são diferentes quando comparados uns aos outros e iguais quando vistos coletivamente. Significa dizer que cada indivíduo – átomo da sociedade – é único em suas virtudes e vícios, porém as coletividades são idênticas em qualquer lugar e tempo. Não há raça superior ou inferior; etnia forte ou fraca. Há pessoas e povos distribuídos pelas terras do planeta, em épocas antigas ou atuais.

Considerar os indivíduos como iguais é opção moral, no sentido de atribuir valor positivo ao ponto em que todos são efetivamente iguais: serem únicos, no sentido de que até os gêmeos univitelinos são distintos. O clone é outro ente porque submetido a circunstâncias diferentes. A dignidade de cada pessoa decorre de ser única, insubstituível. Os indivíduos são biologicamente diferentes e, na nossa civilização, devem ser considerados moralmente iguais.

As coletividades são iguais por qualquer perspectiva que se mire porque resultantes da média das diferenças dos indivíduos que as compõem. Em grande escala, as nuances individuais se compensam e os grupos se igualam. Desigualá-los é contrafactual.

O domínio sobre a natureza, decorrente da Revolução Industrial, está no limiar da gênese de sobre-humanos

A certeza de que coletivamente somos iguais reforça a indagação sobre a(s) causa(s) de diferente desenvolvimento político e econômico. Jared Diamond atribui as variações a fatores geográficos e climáticos que estimulam ou inibem a mercancia cultural.

Acemoglu e Robinson, ao teorizarem sobre o sucesso e fracasso de povos, apontam as instituições políticas, propiciadoras de maior ou menor controle dos indivíduos sobre os rumos da atividade pública, como determinantes dos resultados diferentes. As instituições da América católica e da América protestante produziram contrastes em relativamente pouco tempo.

Quaisquer sejam as causas da desigualdade de resultados, a diferença individual e a igualdade coletiva do Homo sapiens se tornarão peça de museu. O domínio sobre a natureza, decorrente da Revolução Industrial, está no limiar da gênese de sobre-humanos, dotados de muita inteligência, força e aptidão para funcionar em rede, como abelhas ou formigas. Os humanos comuns serão suplantados da mesma maneira que os neandertais o foram.

Organismos híbridos, biológicos e cibernéticos, já tecnicamente viáveis, são eticamente admissíveis? Vetar a ciência é pueril como apor o dedo na rachadura para evitar que a represa estoure. O conhecimento não para. Além disso, usuário de marca-passo é ciborg em escala modesta. O portador de perna mecânica idem. O que dizer aos milhões de pessoas que dependem de porções biônicas? Devem atirá-las na lixeira para evitar a assimetria que se avizinha?

O brasileiro Miguel Nicolelis (trabalhando na América protestante) já pôs macacos em rede cerebral para movimentar membros eletromecânicos, demonstrando que o amanhã é logo. Yuval Harari, ao aventar futuríveis sobre o tema, questiona a permanência da individualidade se os cérebros dos ciborg sapiens operarem em rede. Quanto das memórias e interpretações que nos fazem únicos resistiriam se as mentes atuassem como partes de um megacérebro?

Para o irrespondível, a poesia nada resolve, mas tudo acalma. Por isso, o auxílio luxuoso de Gil, em Tempo Rei:

Pensamento!

Mesmo o fundamento

Singular do ser humano

De um momento, para o outro

Poderá não mais fundar.

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