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Universidades e jornais lembram os 25 anos da Constituição vigente. Nenhuma festa do povo, concursos de redação escolar, discursos emocionantes em praça pública. Nada. Para a maioria, 5 de outubro foi um sábado qualquer. Apesar da sensação de solidão nessa lembrança, falo do aniversário convicto de que há motivos para festejar a paz que construímos.

Alguns exageram, atribuindo à Constituição o caráter de "livro mágico", como se a leitura de suas palavras fosse apta a transformar a realidade, ao som de abracadabra. Outros a veem como palavra divina. Não. A Constituição não é mágica ou sacra. É profana e tem menor estatura que o processo político que o engendrou. É produto das pessoas e suas circunstâncias; dentre essas, ao ser produzida no ocaso da Guerra Fria, veio tisnada de fósseis ideológicos. Obra humana suscetível à falibilidade e à perfectibilização.

Apóstolos da sacralidade do "livro" atribuem às normas constitucionais o sucesso obtido nesse tempo, como se o Brasil houvesse começado do zero. De novo, não. A mais longa paz interna que vivemos tem raízes mais remotas, especialmente na missão impossível de Ulysses Guimarães como candidato a presidente da República em 1973, disputando com Geisel no Colégio Eleitoral. O dr. Ulysses, empurrando baionetas que fechavam a sua passagem, abriu brecha para a solução política da exacerbação ditatorial do AI-5.

Na senda de Ulysses, a vitória eleitoral do MDB em 74 deslegitimou a luta armada como alternativa para mudança do statu quo. Sem esse acontecimento, talvez experimentássemos em escala ampliada a violência ocorrida no Chile, na Argentina e no Uruguai. A ditadura batia nos porões e apanhava nas urnas. Em pleno milagre econômico, os votos minguaram para a Arena, o partido do governo, em acontecimento difícil de explicar, pois não existiam as redes sociais para articular o contentamento descontente. Urnas se mostraram mais eficazes que metralhadoras.

A sociedade trouxe o Estado para a civilidade e desde abril de 1977, quando o Congresso Nacional foi fechado com base no AI-5, não há episódio de violência ditatorial. Em maio de 78, no Teatro Guaíra, a Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil clamou pela restauração do Estado de Direito; em dezembro, o Ato Institucional mais grotesco foi revogado.

A campanha pela anistia em 79 ainda está nas rodas de samba que cantarolam "prepara aquele feijão preto que eu tô voltando". Sublime, foi momento ubuntu de justiça restaurativa, do perdão superando a vingança, antecipando a atitude de Desmond Tutu e Mandela na África do Sul.

Em 84 o Paraná deu início ao maior movimento popular da história – a Campanha das Diretas – com a participação de amplo arco de militância política, partidária ou não. Milhões nas praças fracassaram no objetivo imediato, mas geraram a eleição de Tancredo e a assembleia constituinte eleita em 1986.

A culminância dessa linha temporal deveria ser a Constituição em 88. Contudo, concebida pelas virtudes e parida pelos vícios da política, nasceu frágil, consumindo capital político para se manter viva por meio de emendas que já caminham para o cento. Apesar dessa inflexão, o amadurecimento do processo político parece estar hígido o bastante para que, no centenário da Constituição, o povo faça a festa.

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