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Na virada dos anos 60 para 70 os EUA perderam definitivamente a auto-suficiência de petróleo e, diante da acentuação do déficit externo, acabaram com o lastro ouro do dólar. Foi um solavanco na economia internacional que encerrou o período de crescimento contínuo estimulado pela cicatrização dos danos da Segunda Guerra. Logo em seguida, em outubro de 73, na guerra do Yom Kipur, o petróleo passou a ser usado como meio de dissuasão e o preço quadruplicou. Os carrões americanos, alguns com estilo, outros parecendo banheiras movidas por oito cilindros, viraram sucata e a indústria japonesa, com seus patinhos feios, quase extinguiu ícones como o Mustang e o Corvette. Em 1979, a Revolução Religiosa no Irã levou o preço do petróleo ao céu.

Nessa época, na terra brasiliana vivia-se o milagre econômico, com crescimento de até 15% num único ano. Foi a época do Brasil grande, quando muitos emergiram da pobreza e, se já não se podia ver um futuro melhor no painel do Simca Chambord, pelo pára brisa de um Chevette via-se o horizonte nas estradas recém-asfaltadas. Na economia, anos de concreto e aço; na política, de chumbo. A ditadura, que se assumia como democracia relativa, dizia ao povo que a crise econômica internacional era uma "marola" e que não seríamos atingidos. Assim, enquanto uma tsunami derrubava as economias mundo afora, na ilha da tranqüilidade dormia-se em berço esplêndido. Esse cochilo custou duas décadas de inflação e estagnação.

O incremento da sofisticação tecnológica conduziu a economia americana para a produção de bens imateriais (programas para computador, direitos sobre marcas, imagens, métodos, processos e a indústria cultural), além dos serviços financeiros, médicos, turísticos, que a colocaram na frente de uma nova divisão internacional do trabalho, ficando com a Ásia, especialmente a China, a incumbência de fabricar objetos de consumo. O alto valor dessa produção conceitual propiciou a superação da inflação, congelamento de preços e salários, racionamento de combustível, e em meados da década de 80 iniciou-se um período de crescimento que está chegando ao fim agora, sob nossos olhos.

A aceleração da economia mundial provocada pelo aquecimento da atividade americana e pela integração da Rússia e da China começou a produzir efeitos no Brasil faz pouco tempo. A desarrumação era tão aguda que não havia condições de produzir bens sofisticados e até recentemente soja, café e minérios in natura eram os únicos itens das parcas vendas ao exterior. Há uns oito anos a economia brasileira começou a se abrir para o comércio internacional, exportando e importando bens, serviços e capitais. Nesse curto tempo formou-se a reserva de US$ 200 bilhões, que agora abre a possibilidade de superação da recessão mundial sem a amargura de alto índice de desemprego.

Quando os americanos faliram em 1929, os cafeicultores soçobraram junto. Foi o fim dos barões do café e dos palácios na Avenida Paulista. Os americanos engasgaram na década de 70 e, com retardo, o Brasil sufocou por vinte anos, chegando ao calote da dívida contraída para pagar a imprudência ufanística da ditadura militar. Hoje a América balança entre a concordata e a falência; qual será a conseqüência para os brasileiros?

As destruições, via de regra, são demolidoras. Para que sejam criativas, isto é, geradoras de relações econômicas mais produtivas, os agentes econômicos precisam da bússola dada por instituições políticas estáveis e fomentadoras do desenvolvimento. O mercado é um espaço público, no qual os atores particulares encontram condições civilizadas para encenar os papéis para os quais se julgam aptos. A destruição criativa, de certa forma, depende do acerto das decisões políticas. Se houver boa qualidade política, o Brasil tem condição de levar a lanterna da popa para a proa do novo ciclo econômico que está em formação.

Friedmann Wendpap é juiz federal e professor de Direito da UTP.

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