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É prima da Creusa? Com interrogação bem-humorada, na página eletrônica do Estadão, Tutty Vasquez expressou a compreensão dos brasileiros sobre a secessão da Ucrânia, e união à Rússia, que está pondo "polacos de cada colônia" em pé de guerra. Parece que por lá as coisas não acabam em pirogue e vodca.

O assunto soa tedioso para a rotina de quem está longe. Cada um no seu quadrado, cada um com seus problemas, diz a sabedoria popular. Eles brigam e nós pensamos no próximo feriadão. Claro, as coisas podem ser simples assim e a gente vai levando. Porém, quando se resolve olhar para além do umbigo, a realidade é mais amarga e entrelaçada do que pode supor a vã filosofia que ajuda a blindar os sentidos para não percebermos as agonias do mundo.

Ao tentar entender as paragens onde o ocidente e o oriente se encontram, as razões e hesitações se tornam muito humanas, idênticas às nossas. Na contraface, as distinções passam a saltar aos olhos; aquilo que parecia igual se mostra cheio de diferenças, de leituras do passado e do futuro que separam uns e juntam outros. Assim, por mais que se fale em ofensa às normas do Direito Internacional, não é a questão jurídica que determinará o rumo dos acontecimentos. Não haverá tribunais julgando esbulho possessório, nem discussões sobre propriedade. A questão de fundo é política e, portanto, sujeita a paixões decorrentes de fatos e mitos.

O novo governo ucraniano, não submisso a Moscou, decidiu abandonar em silêncio a Crimeia, não apenas porque tem menos tanques, mas por reconhecer que havia alguma artificialidade na vinculação da península à Ucrânia. A decisão monárquica de Kruschev em 1954, doando-a aos ucranianos como afago a quem havia sofrido o Holodomor nas mãos de Stalin, então recém-finado, se tornou fonte de desconforto para os russos quando a União Soviética sumiu do mapa, literalmente.

Pela Crimeia, a Rússia guerreou (1853-56) contra forças do Reino Unido, França e Turquia. Perdeu, não se conformou e ainda no século 19 voltou a se expandir sobre a região, para retomá-la, garantindo porto em mar quente e o direito de livre passagem no Estreito de Bósforo. A belicosidade russa tinha motivos territoriais, porém havia forte apelo da ideia de libertar eslavos cristãos da opressão turca. Nessa seara, a Rússia foi vitoriosa, criando condições para o surgimento de vários países.

Nada disso foi fácil ou estável. Guerras cruentas se estendem há muito, a exemplo dos morticínios na secessão da extinta Iugoslávia. Os ucranianos na Praça Maidan puseram fim ao pan-eslavismo e à condição de pupilos dos russos. Grito de maioridade política. A decisão de se aproximarem politicamente da Europa ocidental mudou o cenário ideológico da região. Nada será como antes. A bandeira azul e amarela não guarda memória do tricolor das flâmulas eslavas.

A Rússia ganhou solo e perdeu mentes. Vitória pírrica, assinala mutação no xadrez político que vinha desde os czares (césares). A voz de Tarás Shevchenko dizendo "... a Ucrânia não será vencida! Nem por tártaros, nem por moscovitas a sua liberdade será destruída!" está saltando da poesia para a realidade.

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