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Na semana passada, ao versar sobre a constituição de conselhos para controle dos meios de comunicação, esbocei distinção entre os veículos transportadores da mensagem (papel, ondas eletromagnéticas, pulsos eletrônicos, feixes de luz) com a consequente necessidade de concessão ou não para a operação, para ao fim afirmar que todos os meios de comunicação têm, em comum, o desiderato de contribuir para a diversidade pelo que devem ter sua quantidade au­­mentada e não diminuída, como só ocorrer nas ditaduras. Ao encerrar, lancei para hoje a discussão sobre a legitimidade desses conselhos a justificar a sua existência, ainda que sejam me­­ramente consultivos.

A arquitetura da democracia representativa foi desenhada a várias mãos, mas a grande contribuição foi dada pelos iluministas, destacando-se o traço de Montesquieu na tripartição das funções exercidas pelo poder político para que haja equilíbrio entre órgãos independentes e se evite a concentração de poder, sempre danosa à democracia. A primeira construção orientada por esses desenhos ocorreu, por capricho da história, na América e não na Europa, com a formação dos Estados Unidos da América. A partir dai nasceu o que se convencionou denominar de democracia ocidental, como se houvesse alguma forma de democracia oriental a exigir distinção por meio de adjetivação.

A arquitetura política de origem iluminista foi alvo de intensa crítica dos marxistas, especialmente de Lenin que via na primeira república russa (durou de fevereiro a outubro de 1917), moldada na forma ocidental, empeço a seu projeto de coletivização; enquanto o primeiro-ministro Kerensky tentava se firmar, Lenin bradava que os conselhos populares deveriam ter poder e não o parlamento, o Executivo e o Judiciário. Em outubro, os conselhos populares instalaram o governo dos soviets. O olhar aziago de Lenin sobre o legado iluminista marca até hoje a ação política orientada pelo ideário marxista-leninista. Para combater as instituições da democracia "ocidental", a qual também essa linha de pensamento vincula o capitalismo, se pugna pela criação de conselhos para todos os assuntos possíveis e imagináveis com o intento de criar situação de dualidade de poderes similar a que ensejou a eclosão do governo soviético em 1917. É nesse leito que são gestados os conselhos de Comunicação Social, a exemplo do que se pretende instalar no Ceará ou do já existente em Alagoas.

A legitimidade democrática tem por pressuposto a ideia republicana de que o poder é do povo e, quando não possível o exercício direto, se faz por representação. Para isso, as eleições que são o momento da outorga da procuração. Qual a legitimidade dos conselheiros? De onde vem o seu poder? Não se diga que não o terão, pois basta ver que na proposta cearense, no imenso rol de competências, está o poder de estabelecer parâmetros para a distribuição das verbas publicitárias e o de promover instrução para a leitura crítica. Aliás, ao examinar as atribuições dos conselhos estaduais de Comunicação Social percebe-se a clara invasão da competência do Ministério Público. Remanesce a dúvida: para que a dualidade de poder?

A conjuntura do Brasil nem de longe se parece com a Rússia pós-czar e pré-Lenin; a nossa democracia é broto e não decadência; não há capitalismo nos moldes descritos por Marx, maduro para ser sucedido pelo fim da mais valia. A rigor, a insistência na formação desses conselhos de Comunicação Social soa como doença pueril do ativismo político que parasita o Estado e põe em risco a higidez da democracia.

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