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Algumas ideias se tornam moda e passam a ser amadas ou odiadas, sem nenhuma justificativa. A moda da globalização provocou, por quem a odeia, a organização do antifórum de Davos para os alternativos em geral discursarem até o transe coletivo e aplaudirem caudilhos que são uma mistura de Perón e Napoleão de hospício. Do lado dos que a amam, a vida cosmopolita é o mundo novo já possibilitado. Para uns, a globalização é a fonte da pobreza, para outros, o modo de espalhar a riqueza.

Acurando o olhar aparece uma dúvida intensa: será que a palavra globalização é usada para designar a mesma situação por todos que a pronunciam? O que é globalização? O significado esférico do conceito não é tão singelo quanto parece. Na crença comum, baseada apenas na percepção sensorial individual, o mundo é plano. As fotos de satélite mostram uma bola, mas a nossa pequenez sensitiva insiste em dizer que estamos sobre uma bolacha. Assim, para aceitar o fato de que se vive num globo é preciso superar o empirismo dos sentidos e pensar com suporte em informações.

Quando Fernão de Magalhães circunavegou o planeta, a globalização teve início. A partir desse momento as elites detentoras dos meios de intelecção tiveram certeza que as antigas teses sobre a esfericidade estavam corretas. Essa demonstração do formato globular do planeta foi feita por europeus e não por árabes ou chineses em razão dos acasos da história. Os três grupos tinham naus aptas, porém eventos políticos conjunturais (mudança dinástica na China, divergências religiosas intra-Islã) deixaram o mar livre para a aventura dos ibéricos. Por força disso, a globalização foi também, desde o início, uma europeização do mundo. A intensidade desse fenômeno é mais visível na América e Oceania, endereços da cultura européia fora da Europa. Isso não é bom ou ruim. É um fato descrito por meio do alfabeto latino, não com ideogramas ou a escrita árabe.

Na fase luso-espanhola da euroglobalização: ocupação de terras e extração de riquezas; depois holandeses e ingleses, que estão para o globo assim como os fenícios para o Mediterrâneo, estenderam o comércio a todas as lonjuras. A mudança do centro de poder mundial de Madri para Londres redesenhou a política européia, mas manteve a divergência dentro do mesmo bioma cultural, sem alteração dos efeitos da expansão da Europa para o orbe.

Faz vinte anos a divisão do mundo entre os campos socialista e capitalista acabou. Sem muros ideológicos o comércio se acelerou num ritmo alucinante. Ao mesmo tempo, a comunicação em escala mundial se tornou extremamente acessível. A avalanche informacional mexeu com o sentimento de viver no âmbito do bairro e de uma cultura tradicional, aparentemente imutável. Conforto tecnológico, desconforto emocional.

As reações às novidades são tão inevitáveis quanto a própria inovação. O azedume de quem reclama da globalização usando tênis feito no Vietnã, camiseta na China, ouvindo música norte-americana, é apenas enfadonho. Contudo, o bloqueio norte-americano ao aço estrangeiro (leia-se brasileiro) no pacote Obama de ativação da economia e a fugaz exigência de licença prévia para importação determinada pelo governo do Brasil, podem ser o marco de um tempo de introversão, de diminuição das trocas econômicas e culturais. Talvez sejam apenas uma freada de arrumação e não se erijam novos muros.

O sonho conservador da desglobalização, no qual cada país é um feudo autônomo, vem acompanhado do pesadelo da pobreza. O intercâmbio de bens, serviços e conhecimento é condição política para o desenvolvimento. Cuba e Japão, duas ilhas pobres de recursos naturais, revelam os efeitos do fechamento e da abertura para o comércio.

friedmannwendpap@gmail.com

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