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É comum que se diga que alguém ignora ou despreza o conhecimento acumulado tenta reinventar a roda. O caso da Bolívia é pior: há esforço para "desinventá-la". A roda, no caso, é a organização política na forma de Estado soberano. Contaminados pela ideia de que o Estado é invenção europeia para a opressão dos pobres, resolveram estabelecer confederação das tribos pré-colombianas, com territórios para cada grupo, sobre os quais têm grau de autonomia que beira a soberania, tanto que podem impedir a construção de estradas, dutos para eletricidade, gás.

As tribos – povos originários na dicção da Constituição de 2009 – passaram a ter sistema judiciário próprio que aplica as regras da tradição, o que inclui tortura como pena, da mesma maneira que se admitia na Europa antes do Iluminismo. Não é preciso dizer o quanto de barbárie pode resultar disso, mas é bom lembrar que 12 brasileiros, torcedores do Corinthians, permanecem presos na Bolívia acusados de homicídio. Estão sob custódia da Justiça "ordinária", isso é, a do que sobrou de estrutura estatal. É fácil imaginar a situação se estivessem sob julgamento tribal.

Os métodos de escolha dos representantes dos povos originários seguem os costumes locais. Se algum estiver acostumado à monarquia a representação será vitalícia e hereditária, situação que macula o princípio republicano da transitoriedade e impessoalidade. Difícil considerar moderna qualquer possibilidade de restauração monárquica. Diga-se, a Bolívia não é mais uma república, já que se intitula Estado Plurinacional. Assim, os indivíduos deixam de ser o eixo da política e assume relevância a coletividade, a nação à qual ele pertence. Quiçá, mais adiante, suprimir-se-á o voto individual e outros aspectos da autonomia pessoal, restringindo a liberdade.

Essa forte autonomia dos povos tradicionais sobre o território inviabilizou investimentos em mineração, prospecção de hidrocarbonetos, construção de hidroelétricas. Sim, antes de Colombo não havia energia elétrica e a rotina da vida pouco havia mudado desde a idade da pedra que, pelo curso das coisas, está se esboçando no futuro boliviano. Exagero ao aludir ao neolítico, mas cabe cotejo com a derrocada do império romano, sucedido pelos feudos. A pax romana – bruta para os padrões de hoje – pareceu momento angelical diante da anarquia belicosa dos pequenos senhores da guerra que infestaram as bordas do Mediterrâneo em três continentes. Até as estradas e pontes foram destruídas quando a política passou a ser feita para a urbe e não para o orbe.

O efeito civilizador da organização do poder político em grande estrutura apta a garantir a paz interna e externa, cria condições para o desenvolvimento que as comunidades não propiciam. As nações, isso é, grupos com características culturais distinguíveis entre si, perdem a oportunidade de se articular politicamente na identidade boliviana ao exacerbarem a suas identidades originais. As nuances entre quéchua e aimará são menos que um bemol na cacofonia do mundo.

Quando o vice-presidente Linera diz que pretende um Estado comunitário e socialista, policêntrico, com a forma de heptágono, em cujos vértices haja forças regionais produtivas e de bem-estar, sobra apenas uma indagação: quando ocorrerá a secessão?

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