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Dias frios com sol fizeram os parques mais convidativos e muita gente agasalhada caminhou pelas trilhas com o gelo matutino. Havia frisson no ar, vontade de aproveitar intensamente porque o tempo ia virar e só restaria o cárcere dos apartamentos. Previsão confirmada, mais uma semana de céu plúmbeo, mofo no guarda-roupa, para-brisa embaçado, trânsito congestionado porque todos decidiram usar o carro no dia de chuva.

Parado no engarrafamento, sinto desconforto com o ônibus que ficou a um centímetro do retrovisor. Observo através das janelas fechadas, cobertas por película de água que as torna opacas, a silhueta de pessoas a bordo, com os quais cruzo o olhar e, repentinamente, sinto remorso por estar sozinho num carro que ocupa dez metros quadrados enquanto o ônibus, com 30 metros, carrega 60 pessoas. Não é o coletivo que me atrapalha; eu é que estou sendo "espaçoso" porque na metragem do meu carro poderiam ser transportadas 20 pessoas.

O pensamento flutua com a lembrança do filme de ficção científica Solaris, trazendo o momento em que o personagem de George Clooney encontra a paixão da vida num trem urbano. Na cena pareceu chique de tão minimalista. Será que as pessoas espremidas num ônibus com janelas fechadas, parado faz três minutos no meio da via que um dia chamamos de "rápida", têm o mesmo élan da cena protagonizada pelo titio bonitão de Hollywood?

O IBGE prognostica que 95% dos brasileiros viverão em cidades daqui a 40 anos. Cem delas acolherão metade da população, uns 120 milhões. Predição realista porque as pessoas preferem viver na aglomeração, onde há mais segurança, intercâmbio cultural, oportunidades de trabalho. Dá claustrofobia pensar nesses números e a tendência escapista é imaginar paraísos rurais, com muito espaço e pouca gente, coisa que as utopias fazem, inclusive a cristã, a islâmica, a marxista.

Quando nossos ancestrais constituíram as primeiras cidades na Mesopotâmia, a vida pobre, brutal e curta dos nômades melhorou muito. Steven Pinker estima em 80% a redução dos homicídios, denominando essa mudança de processo de pacificação no livro em que advoga a tese da redução da violência ao longo da história. Nessas urbes nasceram governos, com polícia para inibir a agressão entre indivíduos. Enquanto divago na rua congestionada, me ocorre que algumas cidades grandes têm a fama de zona de guerra e outras, até maiores, conseguiram impor a paz, cumprindo uma de suas razões de existir.

Não há paraísos, naturais ou artificiais, e as nossas cidades, por mais infernais que estejam, são o lócus inevitável de convivência. A vida urbana traz muitas vantagens, mas carrega o ônus da proximidade, do contato físico e emocional nas calçadas, corredores, salas de espera, rodoviárias, vizinhança de parede nos sobradinhos. A escassez de espaço o torna bem público, a ser utilizado conforme o interesse coletivo.

Quem sabe o IPVA devesse ser cobrado pela área do carro, a exemplo do IPTU? Epa! Não é porque estou parado há tanto tempo que o automóvel passou a ser bem imóvel!

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