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Para designar os modos de ver a vida em sociedade se usam palavras que têm múltiplos significados. Liberal, conservador, reacionário, progressista, esquerda, direita. Obviamente são rótulos que não revelam as nuances de pensamento de cada pessoa, mas servem para identificar a posição política de um indivíduo em relação aos demais. De modo singelo se pode dizer que no Brasil se rotula como de esquerda al­­guém que se preocupa com as­­pectos ligados à igualdade material entre os cidadãos e de direita quem não tem esse foco na atividade política.

Contudo, aspecto pouco ex­­plorado dessas distinções entre os campos de pensamento diz respeito ao tema da segurança pública, isto é, da razoável expectativa de sair para trabalhar de manhã e voltar à noite para casa sem o perigo acentuado de que outrem o agrida ou mate por qualquer motivo: roubo, trânsito, rivalidade religiosa, política, tribal. A segurança, nesse sentido, é uma sensação de tranquilidade sem ingenuidade.

A esquerda pensa que as condições materiais da sociedade devem ser alteradas para se criar igualdade de acesso a bens materiais e culturais, se eliminando a competição entre as pessoas pela posse de coisas escassas. Nesse ambiente desabrochará, pensa a esquerda, a verdadeira natureza humana, intrinsecamente boa. Assim, a segurança pública será alcançada quando a igualdade se instalar, visto que a violência é criada a partir das condições ma­­teriais, nunca em razão da decisão de indivíduos que escolhem agir de modo violento. Ademais, a violência é fruto do capitalismo e os capitalistas que sofram com ela! Nessa linha de pensamento, toda forma de coerção – polícia, justiça criminal – é ilegítima porque a violência é expressão da indignação das pessoas que são oprimidas na distribuição dos bens sociais. A consequência desse pensamento é diminuir os gastos com segurança pública e aumentar com assistência social. Será que essa ideia está correta?

D’outro lado, à direita, se pensa que não existe o bom selvagem e que a natureza humana é violenta, que o humano é lobo do humano. Assim, a segurança é razão primeva para a existência do Estado. Só ele pode fazer aquilo que não se alcança pela iniciativa privada – conter a violência inerente ao homem. To­­das as demais atividades podem ser desenvolvidas por iniciativa particular e se alcança, ao fim de algum tempo nesse modelo, ar­­ranjo social ótimo para a condição humana. A decorrência desse entendimento é o incremento do gasto com segurança pública e redução da despesa com assistência social e ações destinadas a diminuir a desigualdade material entre as pessoas. Será que a direita tem razão?

O mundo não é tão simples co­­mo esses modelos de pensamento, mas realçá-los serve co­­mo ferramenta de análise para explicar a deterioração da segurança pública no Brasil, visto que se transitou da famosa expressão do presidente Washington Luiz: "Não existe problema social, é caso de polícia", à decisão do go­­vernador Leonel Brizola que proibiu a polícia de atuar nos mor­­ros cariocas. Extremos, sem nenhum compromisso com o resultado efetivo no cotidiano.

De certa forma, uma das reações ao recente período ditatorial foi a predominância da visão de esquerda para se contrapor ao "politicamente incorreto" direitismo. Dirigentes políticos orientados por esse modo de pensar decidiram mitigar investimentos em segurança. A mesma vi­­são, ao se tornar hegemônica no imaginário popular, degradou a imagem da carreira policial e cobriu os bandidos com aura de revolucionários. Não é preciso descrever, à Euclides da Cunha, as consequências.

Não se alcança o melhor re­­sultado social pela supressão do pensamento de esquerda ou de direita. As democracias de boa qualidade propiciam condições para que eles entrem em equilíbrio pela sucessão no exercício do poder. Viver sem medo é direito fundamental.

Friedmann Wendpap é juiz federal e professor de Direito da UTP.

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