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Em meio às notícias sobre a débâcle das montadoras de automóveis nos Estados Unidos, recessão no Japão e Europa, a profusão de análises e prognósticos assinadas por doutores em economia ganha um ar de vidência similar ao das ciganas que fazem anúncio nos postes. Elas prometem desvendar o futuro para dar sucesso no amor; eles, nos negócios. Ambos erram em proporção maior que acertam e os consulentes, apesar da fragilidade das previsões, continuam a consultá-los, ávidos por alguma clarividência que espante a névoa que torna baça a visão.

Se o futuro é quase uma monótona repetição do passado, por que não conseguimos antevê-lo? Pior: quando se consegue prever com alguma certeza o resultado nefasto de alguma atitude errônea praticada hoje, raramente damos atenção a essa obviedade e apostamos em variáveis desconhecidas que possam mudar o destino traçado. Sempre dá errado.

Esse fenômeno individual acontece também com a sociedade. O hiperendividamento dos americanos conduziria, mais dia menos dia, à quebra, calote generalizado. Percepção racional e emocional desse destino inevitável todos tinham, mas a exuberância era tão irracional que se preferiu aguardar um milagre que introduzisse variáveis desconhecidas na equação e o resultado negativo não acontecesse, ou, ao menos fosse protraído ad infinitum. Não existe almoço de graça porque não há o milagre da materialização multiplicadora dos peixes para a refeição. Tudo que é posto à mesa é fruto da conjunção de recursos naturais, conhecimento e trabalho.

O consumo em escala mórbida, pantagruélico, no primeiro mundo, particularmente nos Estados Unidos, gerou uma onda de prosperidade que alcançou o mundo inteiro. Quando os consumidores ficaram sem dinheiro, os fornecedores de bens passaram a cedê-lo em empréstimo para manter o banquete. A fragilidade dessa relação econômica saltava aos olhos e a ruptura trágica era uma certeza matemática. Mas a vida não é racional. O mito do homo economicus que pondera analiticamente cada uma das suas ações de ganho e gasto é um equívoco acadêmico. Compramos, vendemos, doamos, herdamos, imersos em raciocínio e paixão. Se as decisões econômicas fossem puramente racionais, o socialismo, com a sua planificação centralizada, teria sido um sucesso e não fonte abissal de tédio.

Esse mix entre inteligência e emoção não é problema, é característica. Ao tentar moldar um novo humano, inteiramente conformado à idéia dominante num dado momento histórico, se atenta contra a condição humana. A natureza pode ser expelida à força, mas ela volta triunfante sobre o tolo desprezo, dizia Horácio na epístola dirigida a Fuscum, um amante da cidade e suas artificialidades. Sem os erros e suas repetições, sem os torvelinhos de dúvida e angústias, sem ter medo do futuro, não seríamos humanos, algo que somos, até em demasia.

Quando o futuro se torna presente e nos enche de espanto, ressurge forte um sentimento de paleopistia, uma fé no antigo, naquilo que a memória doura e acredita piamente ser a modo mais seguro de viver sem agruras surpreendentes. Contudo, a vida segue e a neofobia será sucedida por uma acomodação que nos tornará susceptíveis a velhas e novas falácias, fonte de outras falências. Ao mesmo tempo o futuro é certo e incerto. Certamente, haverá futuro; o que haverá no futuro, além da repetição do passado, não se tem certeza.

Friedmann Wenpap é juiz federal e professor de Direito da UTP

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