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Enquanto os curitibanos saíam às ruas para festejar a neve, as lágrimas dos pequenos agricultores do interior congelavam no chão dos cafezais cobertos de gelo. Crio-incinerado, o verde enegreceu. A paisagem ficou triste e as pessoas, arrasadas. Na escola, o assunto do segundo semestre foi a mudança para outro lugar onde pioneiros pudessem recomeçar a vida depois da venda da terra para pagar as dívidas. Rondônia soava como Eldorado. Festinhas de despedida, caminhões com mudanças pobres, cobertas com lona mal– amarrada; as cidades da fronteira agrícola do Paraná esvaziaram. Amigos se foram para sempre.

Para onde foram? Vilhena, Cacoal, Ji-Paraná. Sabia-se pouco porque não havia endereço certo no meio do nada. Cartas não chegavam, apenas notícias por portadores que exageravam sucessos e fracassos. Quem foi ficou sem rádio e sem notícia das terras civilizadas, na voz do Gon­­zagão. As cidades, pequenas clareiras na selva, eram pontos onde caminhões e ônibus encalhavam por semanas a fio na estação das chuvas. Muitos foram mais longe, floresta adentro, abrindo as terras como haviam feito no Paraná nos anos 50 e 60. Começaria tudo outra vez se preciso fosse, dizia Gonzaguinha. Foi preciso e as famílias empobrecidas começaram tudo outro vez. Para quem ficou, resignando-se à pobreza dos latifúndios, os aventureiros tinham ido para o fim do mundo, um lugar de doenças tropicais, silvícolas hostis, animais peçonhentos.

Aos poucos Rondônia foi aparecendo no mapa mental do Brasil; boas e más notícias como as de qualquer outro canto do país. Aquele lugar que parecia não existir, uma miragem para onde afluíam as vítimas da geada negra de 1975, entrou intensamente no cotidiano dos paranaenses que passaram a ter parentes naquelas lonjuras. O Paraná, por sua vez, vive na memória dos rondonenses; em quase todas as cidades a rua Maringá, esquina com a Cia­­­norte, ou a Umuarama esquina com a Guaíra, lembram as raízes de muitos daqueles que hoje vivem em cidades confortáveis, com aparência comum ao interior do Paraná. É verdade que nunca faz frio de geada e o calor parece desfigurar quem não está acostumado. Descontado isso, as vezes é preciso se lembrar que a paisagem familiar de Cacoal está em Rondônia, não em Paranavaí.

Quando se está lá e se olha para o Brasil, as distâncias dão a sensação de fim de mundo. Dois mil quilômetros? Viagem média, coisa para dois dias de estrada. A noção de perto e longe tem componente cultural, mas ainda assim, é muita estrada no chão desse pais imenso!

Contudo, a sensação de pioneirismo, de valentia dos paranaenses que deram a face moderna de Rondônia, desaba quando se vê o Forte do Príncipe da Beira. Construído em torno de 1780; mil metros quadrados, muralha de dez metros de altura, às margens do Rio Guaporé. Quando ele foi construído, o lugar era sertão inóspito em escala que não somos nem capazes de imaginar. Os portugueses venceram 4 mil quilômetros de navegação a montante dos rios amazônicos, transpondo cachoeiras, carregando parte das pedras utilizadas na edificação. Essa coragem lusitana, quase insana, definiu o território brasileiro e permitiu que dois séculos depois migração massiva do interior do Paraná desse os contornos culturais que nos fazem sentir em casa.

Do lado esquerdo do Guaporé está a Bolívia. Casebres sobre palafitas inclinadas pelas cheias do rio parecem que vão cair a qualquer momento. Barcos carregam gente de uma margem à outra. Há muita vida no lugar e para alguns ali é o começo do Brasil, não fim de mundo. Dois dedos de prosa e já salta o nome de lugar comum aos interlocutores e o nome de pessoas que conhecem pessoas que conhecem os interlocutores. Êta mundão, és um mundinho.

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