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 | Ilustração: Felipe Lima
| Foto: Ilustração: Felipe Lima

Cinquentenário é evento importante. Para otimistas, ocasião para comemorar o primeiro meio século de existência. Os pessimistas miram as estatísticas sobre a duração média da vida do brasileiro e tiram o pé do acelerador por entender que já estão descendo a ladeira. Celebrando ou lamuriando, 50 anos é tempo à beça. Nessa perspectiva, comento o aniversário da última perturbação da normalidade constitucional, ocorrida em 31 de março de 1964.

Revolução, golpe de Estado, golpe militar, golpe civil-militar? O nome dado ao evento denota o entendimento sobre o que ocorreu naquela data. Os protagonistas se viam salvando o país do populismo/comunismo. Imaginavam fazer "revolução" ao estilo da francesa ou norte-americana, com mudança política profunda. Os céticos rotularam como coup d’État praticado por civis e militares que pertenciam às esferas de poder e excluíram do governo parcela da elite com a qual divergiam. Os adversários optaram por chamar de golpe militar, pura e simplesmente, detratando-o como quartelada, quizomba de república de bananas.

A batalha onomástica nunca findou e hoje alguns comemoram a revolução, outros lamentam o golpe de Estado e milhões menos versados em história – rebentos da reforma da educação iniciada em 1971 – nem sabem que o mundo existia antes do FHC. Imaginam que havia o mal e se fez a luz a partir da era Lula. O tempo, para esses desavisados, é dividido em A.L. e D.L. A sofisticação do debate para nominar a ignomínia exige, minimamente, memória sobre a extensão cultural e biológica de dez décadas.

Talvez em algum momento futuro se fale em contragolpe preventivo em relação a golpe gestado por setores influenciados pelas opções políticas soviéticas. Não houve bandidos e mocinhos. O maniqueísmo é incapaz de explicar a complexidade da política interna imersa na internacional. Atualmente somos menos globalizados do ponto de vista político do que éramos à época. Decisões em Washington, Moscou, Pequim, Tirana (capital da Albânia) repercutiam diretamente na postura dos partidos aqui dentro. O "ouro de Moscou" financiava mobilizações eleitorais, doutrinação e treinamento. Dólares da Usaid, agência norte-americana para auxiliar o desenvolvimento, bancavam atividades similares às financiadas pelos moscovitas. Fomos o tabuleiro e as peças para os titãs jogarem xadrez.

Se Moscou tivesse vencido o jogo no Brasil, o muro de Berlim teria caído em 1989? O totalitarismo vaticinado por Orwell, no livro 1984, teria se consumado se 20 anos antes o Brasil tivesse se tornado imensa Cuba?

Prefiro conjecturar que 1964 foi o último ato de infantilidade institucional do nosso currículo. Se tivéssemos avançado no processo político sem golpe à esquerda ou à direita, teríamos amadurecido e hoje, com a democracia em padrão europeu ocidental, a pobreza e violência seriam passado, não a realidade espreitando em qualquer esquina.

Os 50 anos que nos separam daquele ambiente de brutalidade política merecem festa. Alegria porque deixamos a mediocridade para trás.

P.S.: Seis anos de contato semanal com os leitores. Tintim!

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