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A alegria genuína do papa Francisco se espalhou pelo país nos últimos dias e a angústia sombria da violência que encerrava as manifestações em junho se dissipou. Mês passado, imagens registravam jovens lançando pedras, ateando fogo, arrojando-se contra o portão do Palácio Iguaçu; agora retratam rezas e cânticos. Quem sabe os vândalos tenham a epifania da conversão aos bons modos para as boas causas. Meios e fins se imbricam.

Pano rápido, outro cenário e script! Neve, geada. As redes sociais com fotografias de pessoas extasiadas com o frio. As imagens de Guarapuava impressionam; nevou para valer. O Oil Man pedalou vestido; gelada e divertida a manhã curitibana.

O bem-estar da civilização balouçou o mal-estar. Ondas do tempo que sentimos passar depressa nos domingos azuis e arrastado nas segundas cinzentas.

Nas redações dos jornais, cheias de pessoas sumidas atrás das telas, as possibilidades de manchetes foram inúmeras. A caixa alta da capa diz ao leitor qual é o tema que mais chamou a atenção dos mensageiros. Porém, o que fazer quando há neve nos trópicos, papa preso em engarrafamento de trânsito no Rio de Janeiro, político indo a Cuba em avião público acompanhado pela família, e nasce o novo rei da Inglaterra? Qual é a mais importante para hoje? Qual será a manchete da concorrência?

As notícias de sempre são enfadonhas: a inflação sobe, o dólar sobe, o PIB desce. Isso é noticiário desde 1950. Imagine o déjà vu da manchete "a inflação volta a subir". O suor frio do chefe da redação é a expressão da decisão mais intuitiva que existe.

Para o cronista é fácil. Sem compromisso com a relevância sociopolíticoeconômica etc. e tal do que escreve, alinhava palavras como quem costura barra de calça sem saber se cobrirá o salto ou ficará no meio da canela. Sempre é possível pensar que a alienação do escrivinhador é arte. Camuflado por cadência melódica, pode dar ao leitor a sensação de que há interpretação oculta para as palavras costuradas ora em ponto cruz, ora em arraiolo. Obra magistral como aquelas pinturas cheias de riscos e texturas para todos os lados que causam suspiros a alguns, enquanto outros que só viram o óbvio – tinta e traços desconexos – ficam com vergonha de dizer que nada entenderam.

A arte tem o enigma, a multiplicidade interpretativa como tempero. Sabor que cada paladar descreve de modo diferente. A crônica, o texto do tempo, fica mal localizada entre a mensagem informativa e obra de deleite. Por isso o cronista padece do mal crônico, às vezes agudo, de girar o caleidoscópio e olhar pontos que ninguém vê ou ver de modo peculiar o que todos veem.

Ajoujando palavras em orações que comunicam o pensamento confuso de dias interessantes, a miscelânea de temas é tempestade de possibilidades. Vendaval passa e nada resta em pé, saltando aos sentidos. Não há pensamento firme, análise segura. Só a cabeça cheia, como nas gripes. De tudo se pensa, nada se compreende.

Acho que não estou sozinho na dificuldade de entender os acontecimentos tão intensos e, creio, estou acompanhado no prazer de pisar o gelo da grama só para ouvir o estalo.

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