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Enquanto os homicídios aconteciam em Paris, a instantaneidade das redes sociais já expressava a perplexidade e também dava azo aos mal-humorados reclamando da atenção atribuída ao evento na França e, a julgamento desses neurastênicos, a pouca importância dada ao desastre ambiental em Minas Gerais. Na mesma linha apareceram reclamações sobre a menor atenção às mortes causadas pelo Boko Haram na Nigéria ou ao atentando no dia anterior em Beirute.

A explicação psicológica é muito simples. Para os brasileiros, Paris é culturalmente próxima. Nigéria e Beirute são distantes. Tanto que patrícios foram alvejados. É da natureza humana a gradação nas emoções para proteção da sanidade mental. Sensibilizar-se com a morte de milhares pelo tsunami na Indonésia da mesma maneira que ocorre na morte de genitor é nonsense. Sofrer dor idêntica em situações distintas é patologia. Assim, aos revoltados com a grande comoção no Brasil em relação à violência em Paris, recomendo leitura de neurociência.

É da natureza humana a gradação nas emoções para proteção da sanidade mental

Quanto aos danos gigantescos causados pelo rompimento da barragem em Mariana, a distância ontológica é tão expressiva que fica difícil argumentar. Alhos com bugalhos. Não confundam, cibernervosinhos. Porém, creio que a distinção da repulsa por atos lesivos culposos e dolosos baste para mostrar que o sentimento causado é saudavelmente desigual. Sair de casa com a intenção de atropelar e na primeira oportunidade lançar o carro sobre multidão é, na essência profunda, diferente de sair de carro para passear, perder o controle na pista lisa e atingir pessoas. O resultado – morte e lesões – é o mesmo, porém o móbil da ação gera sentimentos de reprovação muito distintos.

O Rio Doce ressuscitará. Os mortos em Paris não. Além disso, o aprendizado com o rompimento da barragem tornará mais remota a possibilidade de evento semelhante. Os fanáticos se sentem incitados a matar mais e melhor. Com a licença poética do Belchior, uma das muitas dores dessa “noite de São Bartolomeu” é perceber que, apesar de tudo o que vivemos, ainda somos os mesmos: matamos e morremos como nossos ancestrais.

Durante uns dez anos, conflitos entre católicos e protestantes ensanguentaram a França. Porém, em agosto de 1572, depois da execução cruel e à socapa do marechal Coligny, em cinco noites foram trucidadas mais de 15 mil pessoas, ameaçando a própria existência do país. A secularização foi o caminho para alcançar a paz interna, terminando a guerra civil que alcançava contornos similares aos da Síria hoje.

A matança em nome de Alá parece túnel do tempo, traz 1572 de volta. No Islã, especialmente na parte árabe, as “noites de São Bartolomeu” são frequentes e não produziram a cisão entre os gládios temporais e espirituais. Ao contrário, a radicalização e incremento da crueldade são os resultados mais visíveis.

O monoteísmo cristão foi violento durante 1,5 mil anos porque a religião alcançava a totalidade da vida privada e pública. Quando a fé passou a ser assunto particular, deixou de ser causa ou justificativa para a maldade. Quinze séculos é a idade do Islã. Será que a maturidade virá em breve?

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