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No início dos anos 90, o norte-americano Francis Fukuyama se tornou famoso com artigo intitulado "O fim da história e o último homem". A tese do politólogo era de que a ruína da União Soviética encerrava o ciclo de ideologias contestadoras do capitalismo, e os embates que mobilizaram os séculos 19 e 20 não mais ocorreriam. Apropriações do pensamento original propalaram a supremacia da pátria da livre iniciativa, os Estados Unidos.

Essa tese secundária foi utilizada pela direita para estender o big stick ao planeta, especialmente depois de setembro de 2001. State maker, democracy building. Fazedor de Estado, construtor de democracia. O messianismo de levar aos grotões o modelo político da metrópole foi a resposta fundamentalista semilaica ao fundamentalismo religioso que ferroou a América.

A implosão do megaestado soviético gerou uma dezena de Estados. Nas franjas da bipolaridade do velho mundo – África e sudeste da Ásia – também brotaram novidades, como a unificação do Vietnã e do Iêmen, a independência de Timor Leste, o Sudão do Sul. Muitas nacionalidades se apressaram a garantir a sua expressão por meio de Estados; afinal, como diz a sabedoria diplomático-militar, quem não está à mesa está no cardápio.

A nova ordem mundial parecia medrar como a Era dos Estados. As anarquias de hordas, clãs, tribos tinham cedido passo à racionalidade da hierarquização política e jurídica do Estado inventado pelos europeus. O fulgor da ilusão durou pouco. Talvez os dez anos que mediaram a primeira guerra do Golfo e a fama de Bin Laden. O atentado de 2001 assinalou o atrito entre o Estado e o não Estado. Entre a vespa e o elefante.

Perceptível que estruturas menos sofisticadas que o Estado são incapazes de propiciar as condições para o desenvolvimento científico, cultural, econômico. Os lindes parentais do clã reúnem poucos indivíduos e não dão azo à divisão social do trabalho porque todos precisam produzir alimentos. Caçar, pescar, amanhar a terra. Não há tempo para o filósofo noturno da imaginação pueril de Marx. Idem para a tribo. Embora mais ampla que o clã, ainda guarda como razão de existir a identidade étnica e ideológica. Assim, não é modalidade apta a civilizar a vida de milhões, até bilhões, de pessoas.

Claro, dentro de Estados viáveis há resíduos de clã e tribo. O nacionalismo exacerbado é fundamento tribal para erigir um Estado. O crime organizado é clã enquistado no Estado. Às vezes se torna tão poderoso que devora o Estado, como câncer. Mas o foco não é esse, embora seja interessante argumentar sobre a hegemonia da força como uma das características do Estado.

A estatística mostra que o aparato estatal reduz a violência. Embora ocorra de ele próprio ser brutal ocasionalmente, no panóptico da história, os momentos menos rudes ocorrem quando há organização funcional do poder político sobre grande população e território, ou seja, Estado.

Angustiante é a falência de Estados, gerando vácuo ocupado por micropoderes, semelhantes ao clã e à tribo, e a violência explode, como na Etiópia, Síria, Iraque, Mali. O fim abrupto do império soviético e o definhamento da pax americana, acelerado pela ignorância militante da era Bush, tornaram o mundo menos previsível e mais primitivo. Dá pontinha de saudade do equilíbrio do terror nuclear.

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