• Carregando...

A delegação cubana que participou dos Jogos Panamericanos realizados no Rio de Janeiro em 2007 não ficou fechada na concentração para melhorar a performance; os atletas eram vigiados pela polícia política de Cuba para evitar a deserção em massa. Contudo, dois boxeadores conseguiram escapar da vigilância e, carentes de informações e amparo, ficaram perambulando pelas praias do Rio. Capturados pela Polícia Federal, manifestaram o desejo de obter refúgio no Brasil para ter liberdade de iniciativa profissional, proibida na clausura que é a vida em Cuba. Sem que houvesse tempo para ampla discussão na imprensa, no Congresso, nas ruas, o nosso governo devolveu os dois desertores ao regime cubano, utilizando avião de Hugo Chávez para o transporte. Passados quase dois anos dessa nódoa indelével, os dois atletas conseguiram fugir de Cuba e aparecer em Miami, onde já participam de competições de pugilismo.

Nos anos 20 do século passado houve um julgamento nos Estados Unidos utilizado até hoje como indicador de que os ativistas de esquerda são do bem e os demais, quaisquer sejam as nuances, são do mal. É o caso Sacco e Vanzetti. Atribuiu-se a eles a prática de latrocínio e o júri os condenou à morte. À época houve muita agitação na imprensa e nas ruas mundo afora, com base na afirmação de que a condenação era perseguição política, visto serem membros de um grupo anarquista. Em 1982 o testamento de um colega de militância asseverou que Sacco foi autor dos homicídios e que Vanzetti era inocente. Sempre que se deseja atacar a justiça "burguesa" e louvar a justiça "operária", alude-se ao caso com a ideia fixa de que houve a prática do mal calcada no preconceito de classe, na xenofobia e quantos outros motivos de discriminação se queira arrolar.

No futuro, o caso Rigondeaux e Lara será objeto de filmes, livros, teses acadêmicas e demonstrará que a maldade não tem pátria, cor, ideologia. Rigondeaux e Lara serão Sacco e Vanzetti do Brasil, com o agravante de que o processo de repatriação foi secreto, sem tempo – durou dois dias – e informações para a organização de manifestos de apoio à permanência deles. Os cubanos, de modo similar aos dois italianos, eram imigrantes. A diferença é que Rigondeaux e Lara não praticaram nenhum crime, apenas desejavam fugir da pobreza e da restrição à liberdade produzida por um país socialista; a sua migração estava fundada no temor de perseguição movida por um governo que alguns ainda insistem em apresentar como angelical.

De certa forma, por estarem na posição de adversários da monarquia Castro, foram tratados como inimigos por governantes brasileiros que são amigos do Rei. Rigondeaux e Lara se tornaram vítimas de arbitrariedade do Estado brasileiro e, ao serem entregues aos seus algozes, sofreram perseguições pessoais e foram impedidos de participar de atividades esportivas. Negar asilo é parte da discricionariedade do governo; devolvê-los a Cuba, sem oferecer-lhe a possibilidade real e concreta de escolher outro destino, foi uma ofensa grave aos princípios que informam as relações internacionais e um atentado à dignidade de ambos.

A situação vivida por eles se encaixa no art. 8º das disposições transitórias da Constituição. A rigor, existe o dever de indenizá-los pelo sofrimento que viveram por força da decisão truculenta do nosso governo, reconhecendo-se que foram perseguidos políticos por dois governos: o de Cuba e o do Brasil. Não devem receber indenização milionária como alguns vitimados pela regime militar de 64; opinião e militância política não são investimento financeiro. A quantia deve ser módica, valendo pelo gesto que simboliza – o respeito ao direito fundamental de liberdade, sem o qual, à esquerda e à direita, vicejam ditaduras.

Friedmann Wendpap é juiz federal e professor de Direito da UTP.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]