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O adesivo no vidro traseiro do carro trazia a afirmação: sou jovem, voto em Fulano. Fiquei tanto tempo na fila de carros, andando e parando, que houve tempo de refletir e perceber que não se é jo­­vem; se é pessoa e se está jo­­vem. A juventude, a senectude, são estados e, portanto, o verbo correto é estar, não ser. Pode-se objetar e dizer que a distinção é irrelevante. Ora, o idioma lusitano propicia a identificação clara des­­sas situações que são pensadas como distintas e, havendo meios para bem expressar o pensamento, deve-se usá-los. O trânsito andou, perdi o carro de vista, mas o tema continuou a circular pela mente e a juvenil vontade de mudar o mundo, transbordan­­do em faces recém-púberes, dos ca­­louros das escolas de nível su­­perior me levou a pensar na­­que­­les moços que iniciam o curso de Direito com a intenção de fazer revolução. Ah, esses moços, po­­bres moços, se soubessem o que eu sei! (Sim, é Lupicínio).

O Direito, entendido como conjunto de normas articuladas de modo coerente e constante, sistêmico, é meio de conservar poder. O ambiente jurídico é compota que retarda o perecimento de algo que é essencialmente perecível. Revolucionar com o instrumento da conservação é total ignorância sobre a na­­tureza dos objetos jurídicos. Cer­­ta­­mente, conhecer e compreender as normas que civilizam a con­­vivência, quer sejam as mo­­rais, as de cortesia ou as jurídicas, é relevante para entender as instituições que formam o modus vivendi da sociedade. Quem pretende construir e não simplesmente destruir, precisa conhecer as construções existentes, perceber que são acúmulo de inteligências e acasos ao longo de muito tempo. Porém é na política, principalmente na partidária, que se plasmam os modeladores de conduta para indivíduos e para coletividades.

Quando a revolução e conservação são atribuídas ao mesmo corpo de pessoas, as pessoas fi­­cam à mercê de excessos que fragilizam a dignidade pessoal. A revolução permanente, medida em rpm, inviabiliza a boa convivência e a conservação imobilizadora da dinâmica da vida so­­cial, idem. Para encontrar me­­lhor equilíbrio na distribuição do poder de mudar e o poder de permanecer, pessoas diferentes, independentes entre si, devem ter poder para uma ou outra coisa, não as duas ao mesmo tempo. As opções hermenêuticas que concentram no Judiciário a capacidade de obter condutas de ou­­tras pessoas cometem o equívoco de caminhar em direção oposta à democracia.

Aí o moçoilo começa o curso de Direito e as aulas vão se sucedendo, começando pelas propedêuticas, as dogmáticas, as zetéticas e ele ainda não percebeu a matéria-prima com a qual trabalhará: tristeza. O Fórum é foz da angústia, do sofrimento que pessoas causam umas às outras. Se não houvesse desentendimento, má-fé, maldade, os bacharéis em Direito seriam absolutamente inúteis. Mas há. Essa é a hobbesiana natureza humana. Quem quer manter a ordem, quem quer criar desordem, perguntam os Titãs. Ninguém quer desordem. Todos os que sofrem em decorrência da ação de outras pessoas de­­sejam que algum tipo de ordem seja restaurada, que a zo­­na de conforto na qual viviam seja restaurada. Se, ao sair do Fórum, mais desordem estiver criada, a felicidade, o prazer de conviver, se tornam mais remotos.

Ser revolucionário, estar conservador. A pose shakespeariana para estender o braço e dizer ser ou estar, eis a questão, provoca riso em solidão, mas perde todo sentido porque o semáforo abriu.

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