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 | Ilustração: Gilberto Yamamoto
| Foto: Ilustração: Gilberto Yamamoto

No VI Congresso da Língua Espanhola, ocorrido recentemente no Panamá, a imensidão do idioma que já ocupou o mundo de aurora a aurora foi comemorada com muito discurso, prosa, poesia, filologia, literatura. Convergência de hispanohablantes que marcaram posição sobre a vitalidade da língua, empertigada na sintaxe e vocabulário, dúctil na semântica das ruas do mundo, como língua dos dominantes ou dos dominados.

O espanhol dos guetos porto-riquenhos em Nova York tem carga emocional distinta do som cubano das ruas de Miami. Em comum, a criação de segunda nação nos Estados Unidos; revide involuntário à tomada das terras do Texas à Califórnia. Na Bolívia, a penúltima flor do Lácio é rejeitada como herança do opressor, trocando-se o universal pelo particularismo dos falares de cada montanha, grota, planalto. A língua cosmopolita interessa menos que a afirmação comunitária. O mundo não me entende e eu não entendo o mundo. Bastam-me os meus.

A rejeição do esperanto da América ocorre também no solo pátrio. Bascos, catalães, galegos. Não há espanhol, há castelhano. Parte, não o todo. Falam inglês, francês e cerram a boca para impedir que salga el sonido de una frase de Quijote. Porém, cada uno es como Dios le hizo, y aún peor muchas veces.

Mi ordenador se atrapaja entre Cervantes e Camões, corrige automaticamente um "z" na palavra paralisar grafada em espanhol. É curioso observar que o português, costela adâmica, ganhou identidade. Lusófonos no oceano da hispanofonia donde brotam sons familiares e ao mesmo tempo estranhos. Pronúncias guturais arranham gargantas; madrileños falam de modo quase incompreensível, com a língua saltando da boca, glote à vista. Cena curiosa para quem fala sem movimentar largamente as mandíbulas e tem o "ão" como fonema tropeção aos que não são deste chão.

Ibéricas, são línguas de quem não produz tecnologia e, portanto, não inventa palavras para os bens da modernidade. No turbilhão de novidades, a anglofonia reina no linguajar cotidiano e palavras sucumbem, jazendo como artefatos de pedra em estratos filológicos superpostos. Os jovens nem pensam nas palavras ibéricas para download, setup, login. Tablete, prancheta, tabuinha se tornaram tablet. Sim, o idioma é vivo. Passivamente vivo, ainda que o mouse seja chamado de ratón.

A audácia de ser medíocre tem reflexos na língua, que pouco empresta e muito recebe. Brazilian wax, poderiam lembrar alguns como doação ao inglês. Ora, nada com o idioma, apenas alusão a genitálias calvas. Quando portugueses geraram a habilidade que propiciou as grandes navegações, espalharam sons pelo mundo, deixando marcas no japonês, havaiano, inglês, holandês. Samba e bossa nova portaram o falar brasileiro; Santos Dumont semeou nossa língua sobre outros falares. Hoje, o câmbio assimétrico com o inglês retrata a inferioridade tecnológica.

Falando do espanhol derivei para o português. Se fosse redação do Enem passaria despercebido. Aqui, sob crivo de leitores que cultuam o pensamento e a língua, tenho a dizer em minha defesa que a digressão é prazerosa. Perder-se entre o labor e a arte é aragem no mormaço da realidade.

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