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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

O pensamento vai mudar o mundo com seus moinhos de vento, diz Frejat na homenagem a Cazuza. Contudo, ideias poderosas, aptas a convencer muita gente e a resistirem à passagem do tempo, são raras. De tempos em tempos aparecem e levam ao esquecimento as até então dominantes.

A vitória de uma ideia não significa seja ela a melhor para produzir harmonia social. Há fatores insondáveis que levam uma ideia ruim como o nazismo a ser hegemônica durante décadas e a persistir na mente de uns gatos pingados depois da demonstração cabal da sua mediocridade. Ideias de má qualidade são, de regra, rudimentares e colam facilmente em mentes singelas.

Poucas ideias chegam a receber o sufixo ismo, transformando-se em substantivos abstratos, como cristianismo, budismo, socialismo, capitalismo. Na ciência da economia, o autor que alcançou a cristalização substantiva foi Marx, com a formação do marxismo. Outros gigantes deixaram legados científicos notáveis, mas não se substantivaram.

A experimentação do ideário marxista foi malsucedida, apesar dos refinamentos teóricos que fundamentalistas e revisionistas fizeram ao longo do século passado. Assim, a inanição intelectual do campo de pensamento albergado nesse substantivo reduziu o rol de adeptos. Por isso, qualquer um que possa dar alento ao ismo de Marx é tratado como profeta que vai confirmar, peremptoriamente, que o marxismo resiste ao teste do tempo, não sendo apenas mais uma ideia que vicejou e minguou.

Nesse contexto se insere o frisson causado pelo livro O capital no século 21 do francês Thomas Piketty, ainda não traduzido para o português. Piketty, calcado em dados obtidos nas economias avançadas, aponta crescente concentração de renda em mãos de quem não se arrisca em empreendimentos inovadores. Embora não use a expressão, alerta para a ocorrência de "aristocracia capitalista" composta por herdeiros que pilotam fortunas tão grandes que continuam a atrair dinheiro, ainda que se comportem à Paris Hilton. A meritocracia, base conceitual do capitalismo, desaparece quando o rico de hoje é filho do de ontem e pai do de amanhã.

No ponto nodal, Piketty tem razão. A imutabilidade da titularidade de grandes massas de capital é nociva ao capitalismo. O seu esteio filosófico é a acumulação e manutenção do capital como fruto do mérito exposto à competição contínua de pessoas que também têm méritos. É virtude do capitalismo que as fortunas estejam sempre desmanchando no ar, trocando de mãos, mantendo o sistema em equilíbrio, livre da dicotomia de minoria hipercapitalizada e maioria sem capital, fator de empobrecimento e ruína sistêmica.

Todavia, a solução proposta por Piketty para obstar a acumulação imobilizadora é pueril: imposto internacional sobre grandes fortunas. Na inocência "pikettyana" todos os países chegariam a um acordo sobre a constituição de uma autoridade mundial capaz de criar um tributo uniforme que inibisse os ricos de se mudarem para locais mais amistosos. Quem sabe, também organizem a Federação e estipendiem a expedição do Capitão Kirk?

Como se vê, diagnóstico excelente, prescrição de tratamento, capenga. Nada que justifique as aleluias.

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