• Carregando...
 |
| Foto:

Nos filmes hollywoodianos de guerra e ficção científica, robôs voadores bombardeiam, disparam laser, mas no fim são vencidos pela tenacidade de um herói mal equipado, mal barbado, suarento, que luta para salvar a humanidade da dominação das máquinas. A discussão moral sobre as mortes passa longe do enredo porque os robôs são amorais e, do lado humano, destruir máquinas não é matar alguém. Assim, assistimos à encenação comendo pipoca e bebendo guaraná sem nenhuma indagação ética relevante. Antigamente, no lugar das máquinas estavam os índios, os nazistas, os japoneses.

Jornais televisivos exibem automóveis calcinados, paredes demolidas em plagas distantes de nós. Iêmen, Somália, Paquistão, Afeganistão. Deserto, montanhas, roupas estranhas. A distinção entre teatro e realidade fica borrada e não surge a dúvida sobre a moralidade dos ataques robóticos. Mas a vida não é filme e as naves semiautônomas, com aparência de zangão (drone, em inglês), estão matando pessoas reais que estavam na linha de tiro porque eram consideradas suspeitas de atos de terror contra os Estados Unidos ou, por azar, estavam no lugar e hora errados.

Exagerados falam em milhares de mortes. Estimativas sérias apontam menos de uma centena de vítimas acidentais dos ataques com drones. Não é genocídio. Alarido pueril, como se raposa houvesse no galinheiro, desvia o debate da grave questão sobre a legitimidade desses meios, ainda que as mortes se restringissem aos suspeitos.

Imagine-se um brasileiro típico, morador da periferia de Goiânia, aficcionado por música sertaneja; subitamente sua casa é vaporizada por zangão teleguiado por soldado yankee. Consideraríamos correta essa ação, ainda que o tal homem comum fosse confirmado como terrorista internacional da periculosidade do Chacal e só ele morresse no ataque? Ora, direis, perdeste o senso! E eu vos direi, no entanto, é hipótese política e tecnicamente possível. Remota como fato, serve para aguçar o raciocínio.

Salus publica suprema lex. Segurança é a função basilar do Estado. O governo americano age, na sua perspectiva, para assegurar que seus nacionais não sejam vitimados por violência terrorista. A finalidade é legítima, mas os meios se assemelham aos dos adversários que usam violência quase aleatória contra pessoas inocentes. Agindo de modo parecido com o inimigo, os EUA perdem a vantagem moral de se defender sem abdicar de valores civilizacionais que tornaram a América atrativa para o mundo. Se os dois lados usam meios desleais, qual a diferença entre mocinho e bandido?

Declarar formalmente a guerra, observar convenções internacionais sobre armas vedadas, proteção de não combatentes, preservação de patrimônio ambiental e cultural, assistência médica e jurídica a feridos e prisioneiros. Isso soa inadequado para vencer o terrorismo, mas as Brigadas Vermelhas, na Itália, e o Baader-Meinhoff, na Alemanha, nos anos 70 e 80, foram vencidos sem confusão entre o papel de polícia e ladrão.

Os drones são o equivalente moderno do anel de invisibilidade da lenda narrada por Platão. Quem tem muitos recursos, pouco custo para usá-los e nenhum freio moral ou político se torna muito poderoso. Poder absoluto corrompe absolutamente.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]