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Nos tempos de universidade, eu também já entrei em boates lotadas onde as condições de segurança eram precárias. Frequentei lugares em que, se houvesse um incêndio, todos morreriam asfixiados em questão de minutos. Como não sei dirigir, aceitei caronas de motoristas bêbados. Vi centenas de filmes e peças no Cine Teatro Ouro Verde – aquele que foi destruído pelo fogo há um ano.

Imagino que quase todos nós já corremos riscos semelhantes. A verdade é que temos sorte; precisamos agradecer todos os dias a Deus e aos nossos anjos da guarda. Diante da tragédia em Santa Maria, resta admitir: poderia ter acontecido com a gente.

Os mortos nem haviam sido enterrados e começou a temporada de caça aos bodes expiatórios. Entendo a revolta e o clamor por justiça entre os que perderam filhos e amigos na boate Kiss, mas não consigo aceitar o oportunismo daqueles que nada têm a ver com a tragédia e ainda assim querem tirar uma casquinha política, ideológica ou religiosa do episódio. Há um desrespeito muito grande às vítimas, principalmente nas redes sociais.

O esquerdista diz que a culpa é da economia de mercado. O liberal acha que a culpa é do governo. O fanático religioso garante que a culpa é das vítimas "pecadoras" (onde já se viu estar na boate numa hora dessas?). O fanático ateu diz que a culpa é de Deus (afinal, ele criou o fogo e a fumaça). O discípulo de Raymundo Faoro atribui responsabilidade ao patrimonialismo. O inimigo do PT bota a culpa em Lula. O petista radical procura envolver os tucanos e a Globo. O professor marxista não perde a chance de denunciar a mais-valia e a ganância das classes dominantes. Até os que estão presos trocam acusações: o sócio da boate diz que foi o músico, o músico diz que foi o sócio da boate. No Twitter, um valentão de internet regurgita: "Morreu? Antes ele do que eu".

A estupidez de culpar os seguranças da boate ganhou muita força, até mesmo entre articulistas e intelectuais acadêmicos. Como se os pobres seguranças tivessem pensado algo assim: "Aqui você morre, mas não sai sem pagar a conta!" Agora estão falando que os bombeiros agiram mal ao deixar que civis participassem do resgate. Eu entendi errado, ou isso quer dizer que as normas da corporação valem mais que o salvamento das vítimas?

Se estivéssemos em um romance policial de qualidade duvidosa, sobraria para o mordomo. Mas não estamos no mundo da ficção barata; estamos diante de uma tragédia real. Não é preciso modificar as leis, nem fechar todas as boates do país, nem revogar o capitalismo. Cabe apurar responsabilidades, punir os culpados e evitar linchamentos. Serenidade, pelo amor de Deus (e que os militantes ateístas me desculpem pela última frase)!

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