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Lá se vão muitos anos desde que li O Tempo Deve Parar, de Aldous Huxley, no apartamento 42 da Rua Cacilda Becker. Os enredos do autor inglês que permanecem mais vívidos em minha memória são os de Contraponto e Admirável Mundo Novo. O Tempo Deve Parar me comove acima de tudo pelo título, um dos mais belos de que tenho lembrança.

Mas por que recordo o livro de Huxley? A explicação é simples: o Relojão do Edifício América parou de novo. Por alguns dias, ficamos sem o nosso contador de tempo oficial no Centro de Londrina. Quando olho para cima e o Relojão não me dá a hora certa, sinto-me abandonado, um pouco órfão. É como se o coração da cidade parasse de bater e o tempo, esse inimigo íntimo, não passasse mais.

Às vezes eu fico pensando no que aconteceria se o Relojão girasse no sentido anti-horário

Sempre que o Relojão está parado, lembro-me de outra passagem literária: no auge do desespero, Anna Karenina olha para o relógio e não consegue ver as horas. A personagem de Tolstoi enxerga claramente os ponteiros, os números e o mostrador – mas simplesmente não é capaz de decodificar a informação. Um daqueles raros instantes em que a eternidade emerge do tempo.

No filme O curioso caso de Benjamin Button, há um relógio na estação de trem que não me lembro de ter visto no conto original de Fitzgerald. Gira ao contrário. Foi construído por um relojoeiro que perdeu o filho na guerra. O pobre homem tem a esperança de que o tempo também caminhe ao contrário e o jovem soldado volte à vida.

Às vezes eu fico pensando no que aconteceria se o Relojão girasse no sentido anti-horário. Levar-nos-ia a todos de volta para uma cidade que não existe mais? Poderíamos frequentar o Clube da Esquina, o Dunk’s, o Aperitivos do Paulinho, o Beco, o Carlão, o Jota, o Araucana, a Casa do Vinho? Ou quem sabe assistir a um show da banda Nem Nome Tem? Seria possível entrar na República da Humaitá, onde o estudante Chen falava alto pra caramba ao telefone? Encontraríamos o Tiola no Buraquinho do CCH? Haveria Assembleia Geral Universitária chamando para greve e “ocupação pacífica” da Reitoria? Alguém aí viu o Mais Chato de Assis e o És Sadi Quer Ohs?

Na verdade, eu não quero nada disso. Bastaria ouvir a voz de meu pai ou ver o sorriso da minha mãe por alguns instantes. E as flores amarelas espalhadas pelo chão da praça. As flores amarelas, enquanto eu lia Henry Miller...

Vou conversar com aquele senhor japonês que conserta o Relojão. Sem ele, perdemos a hora. É como diz aquele samba do Adoniran: “Num relógio é quatro e vinte, no outro é quatro e meia/ É que de um relógio pra outro, as hora vareia”. (Eu adoro essa rima.)

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