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Desde que a recessão deu o ar da graça, estou andando de ônibus todos os dias, sem falhar nenhum. Outro dia peguei a linha Vivendas do Arvoredo para falar com a Autoridade, cujo gabinete fica em fundo de vale.

Entro no ônibus e encontro meu amigo Richard, que não via havia muito tempo. Ele comenta sobre meus cabelos brancos, eu digo que ele continua o mesmo de sempre, ele me conta que já tem netos.

Conheço o Richard desde o tempo em que ambos éramos de esquerda; eu virei reaça, mas isso não importa. Richard é um cara simpático e talentoso, jornalista e editor de livros. Sou um mau conservador; ele é um bom conversador.

Enquanto o ônibus desce a Duque de Caxias, Richard diz que editou um livro sobre ferrovias. Não sabia que ele era o editor, mas tenho o livro – e me interesso bastante pelo tema. Não fossem as ferrovias, acho que eu não teria nascido e não estaria conversando com o Richard no ônibus.

Já contei aqui, mas não canso de repetir a história de Antônio Costa, meu bisavô, conhecido na família como Pai Costa. Português de nascimento, ele foi deixado no Brasil pela família aos 7 anos de idade. Por companhia teve apenas um irmão três anos mais velho, mas logo os irmãos se separaram. Não fossem as ferrovias que o governo estava construindo na época, Antônio provavelmente não teria sobrevivido. Hoje, mais de 100 anos depois, eu consigo sentir a solidão daquele menino abandonado num país estrangeiro.

Então Richard me conta por que tem esse nome. Seus avós vieram do interior da Bahia para a região de Ribeirão Claro, no começo do século passado, na mesma época em que Antônio estava abrindo estradas de ferro no interior paulista. O pai de Richard ajudou a desbravar o Norte do Paraná, abrindo estradas e construindo cidades. Tinha um grande amigo inglês, funcionário da Companhia de Terras, com quem compartilhava os sonhos de uma vida melhor. Em um dia trágico, ao derrubar uma imensa figueira, Richard foi atingido pelo tronco da árvore e morreu na hora. O amigo brasileiro prometeu homenagear o inglês dando o nome do companheiro ao seu primeiro filho. Assim, Richard tornou-se Richard, jornalista e editor de livros sobre vários temas, entre eles estradas de ferro.

Eu também me chamo Antônio. Paulo Antônio. Carrego no nome esta solidão de alguém que não conheci pessoalmente. Penso em meu bisavô ao me despedir de Richard e descer no ponto de ônibus. Ali, no prédio do fundo de vale, a Autoridade me aguarda, com um par de luvas de boxe sobre a mesa do gabinete. Felizmente, não tivemos de utilizá-las.

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