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No lugar da igreja, que meu pai ajudou a construir, existe um curtume, cujo proprietário é também o dono das terras do lugar.

Na semana passada, encontrei o senador Pedro Simon (PMDB-RS) num dos corredores do Senado. Após cumprimentá-lo, saímos caminhando lado a lado. Perguntei a ele como estavam os preparativos para a sua próxima campanha. Simon parou, olhou-me nos olhos, pôs uma das suas mãos sobre um dos meus ombros e disse: "Não sei se serei candidato. Após quase 50 anos de vida pública, tenho dúvidas. Dúvidas porque, hoje, a vida é pior que 50 anos atrás".

Dia 16 de dezembro, uma sexta-feira, estive presente num ato de entrega de títulos de terra para pequenos agricultores, em Congoinhas, Região Norte do Paraná. Fiz um pequeno pronunciamento, no qual relatei um pouco da minha vida passada e a comparei com a realidade atual.

Terminado o discurso, dois homens, ambos com cerca de 65 anos de idade, aproximaram-se para me cumprimentar. Também disseram que a vida, atualmente, é pior que anos atrás, principalmente no que diz respeito à violência e aos valores da vida. Apontaram não poder, por exemplo, deixar suas casas vazias, no sítio, por causa do risco de assaltos.

Há cerca de um mês, estive na região em que fui criado, no município de Rolândia, mais precisamente no sítio em que cresci e trabalhei. A região era formada de pequenos agricultores, pouco mais de 30 famílias. Era uma verdadeira comunidade: campo de futebol, casa de secos e molhados, igreja, escola.

Ou melhor, duas escolas: uma para todos e outra que só ensinava na língua japonesa. A comunidade era formada por descendentes de italianos, espanhóis, alemães, japoneses e migrantes brasileiros –principalmente mineiros.

Atualmente, são poucos os sítios. A igreja e as escolas, inclusive aquela em que dei aulas (claro que não a que ensinava japonês) foram demolidas. Os sítios viraram uma só propriedade, de um só dono. As árvores nativas ou frutíferas – algumas delas plantadas por mim – foram arrancadas, como as romãzeiras (pés de romãs), que citei semanas atrás, com raiz e tudo.

No lugar da igreja, que meu pai ajudou a construir, existe um curtume, cujo proprietário é também o dono das terras do lugar. Esse curtume exala um mau cheiro quase insuportável e, não bastasse isso, as sobras do mesmo são espalhados como adubo pela terra, o que faz com que o cheiro se espalhe por toda a região.

Hoje é uma região desértica de casas, árvores, gente e pássaros. É um deserto verde, onde só se planta cana-de-açúcar, e fedorento, que cria pouco emprego e muito lucro para alguns.

Nessa comunidade, rezávamos missas e terços. Na igreja, realizávamos também as festas, confessávamos pretensos pecados, como o do desejo ou sonho adolescente de um dia ter uma mulher. Pecados que nos condenavam, na época, ao fogo eterno. Inocentes pecados perto do que existe hoje.

Nas casas, que hoje não existem mais, havia pequenos jardins plantados por pessoas que sonhavam dias melhores. Eram jardins que floriam na primavera, como floriam e perfumavam a região as flores dos cafezais.

Por onde andam meus amigos de infância? Aqueles que comigo estudaram, jogaram futebol ou foram meus alunos quando eu tinha 17 anos e, não sei com que qualidade, dava aulas?

Provavelmente, alguns que sonhavam vida melhor, hoje com cerca de 50 anos, não têm emprego nem aposentadoria. Talvez tenham algum celular pré-pago – porque a cultura e o mercado impõem – na vã esperança que alguém telefone para oferecer um emprego.

Com o avanço tecnológico, esperava-se que a vida fosse facilitada, e que o resultado do mesmo fosse menos trabalho e a divisão do lucro. Nada disso ocorreu. O lucro e a terra ficaram nas mãos de poucos. Lá no sítio, comparei o antes com o agora, inclusive os odores. Se, antes, tínhamos a alegria do pouco que tínhamos, tínhamos o enorme sonho da vida melhor e o perfume dos pequenos jardins e das flores dos cafezais.

Hoje, temos o fedor do curtume e do vinhoto das usinas. Comparei tudo, e confesso que chorei. Realmente, nestes 50 anos, a vida piorou para muita gente.

Dr. Rosinha é médico pediatra, deputado federal (PT-PR) e secretário-geral da Comissão do Mercosul.

dr.rosinha@terra.com.br

Site:www.drrosinha.com.br

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