Entre 2019 e 2020, o nível de desemprego do trimestre móvel encerrado em outubro cresceu 2,7%. No mesmo período do ano passado, o índice atingia 11,6%. Agora, chega aos 14,3%. É um número que permanece abaixo das expectativas dos especialistas, que esperavam um teto de desemprego orbitando nos 15%, mas não há o que comemorar de fato: 14,3% da força de trabalho hábil brasileira está fora dos postos de trabalho. Em números absolutos, são 14,1 milhões de pessoas sem ter como sustentar a si e aos seus.
Se o número não chegou à previsão dos especialistas, o motivo, em parte, deve ser atribuído às medidas tomadas pelo Governo Federal para o enfrentamento da crise econômica gerada pela pandemia. Apesar de algumas vacilações, sobretudo nas medidas de auxílio à obtenção de financiamento para microempresas e empresas de pequeno porte, Executivo e Congresso introduziram com celeridade iniciativas e políticas que construíram um muro de contenção contra a miséria que se desenhava no cenário econômico do país.
Merece uma menção especial o auxílio emergencial — o chamado “coronavoucher”. Cento e vinte milhões de brasileiros foram contemplados pelo pagamento efetuado pelo Governo Federal para mitigar os efeitos da crise financeira gerada pela pandemia. Mesmo com a União gastando mais do que fosse desejável para estender o término do auxílio ao máximo, os R$ 356 bilhões gastos com o auxílio ajudaram a retrair as previsões de queda do PIB de 6,5% para 4,4%.
Em parte, o auxílio foi essencial na manutenção da renda da população — especialmente entre aqueles que perderam o emprego e outras fontes de sobrevivência durante este ano calamitoso. Graças ao auxílio, as famílias continuaram consumindo — e é justamente esse consumo que é responsável pelo grosso do PIB: segundo as estimativas, 65% do Produto Interno Bruto brasileiro é formado por consumo. Ou seja, o auxílio foi essencial não só para a sobrevivência de milhões de brasileiros, mas para manter a economia rodando, num contexto de alto desemprego e atividade econômica em depressão.
Pensar num 2021 sem auxílio emergencial e com a continuidade desse alto índice de desemprego não traz bons sentimentos. Segundo dados revelados pelo Datafolha, 36% das famílias que foram contempladas pelo auxílio durante este ano não tinham outra fonte de renda. Além disso, o mercado formal ainda está muito desaquecido: segundo a Pnad Contínua, 38,8% dos brasileiros em vagas de trabalho estavam na informalidade — justamente o setor mais afligido pelos efeitos da crise econômica do coronavírus.
Levando-se em conta esses dados, tudo indica que os problemas que o auxílio emergencial conseguiu afastar durante o ano que se finda voltarão em 2021 e precisarão ser tratados com medidas corajosas e assertivas a partir de 1.º de janeiro. O que se fez até agora foi um paliativo. O prolongamento do auxílio pode ser discutido pelo Congresso e pelo Governo Federal sob a forma de um novo programa de transferência de renda. Porém, é importante ter em mente que tudo isso tem um custo e não caminha na direção de uma solução sustentável. A dívida pública brasileira já chega aos 96% e o crescimento entre 2011 e 2020 foi de apenas 0,2% — o menor do século. Então, resta a pergunta: como reverter essa situação de maneira economicamente sustentável?
Não existe um jeito de fazer a transformação profunda que a nossa economia exige sem investimentos. Estes investimentos têm de vir tanto do setor público como da iniciativa privada. A questão é que na atual conjuntura, não há como se esperar que o investidor privado deixe dinheiro no Brasil sem que o Governo crie um mínimo de condições que estimulem o crescimento e restaurem a confiança no futuro do país.
Há três grandes áreas onde o Governo Federal pode atuar. Duas delas dizem respeito às duas reformas que precisam ser destravadas no ano que vem — as reformas tributária e administrativa. A terceira, diz respeito à pauta de investimentos em infraestrutura. Já não é mais possível postergar essas medidas. Claro está que, desde a perspectiva da viabilidade política, as reformas são especialmente problemáticas.
A reforma tributária mexe em inúmeros vespeiros. Se a ideia é manter o volume total de arrecadação nos níveis atuais, isso só se fará alterando seja, de um lado, a partilha da receita entre os entes da federação, seja, de outro, os setores da economia que pagam mais ou menos impostos. Os prejudicados, seja alguns estados e municípios, pelo lado da receita, seja determinados setores privados, pelo lado do desembolso, mobilizarão todos os seus recursos para inviabilizar a reforma.
Poucas medidas, no entanto, podem sinalizar melhor a determinação de pôr o país nos trilhos do que ela. Em média, as empresas brasileiras despendem 1.501 horas de trabalho para pagar impostos e regularizar seguros. Segundo o Banco Mundial, somos os recordistas mundiais nessa estatística. O Equador, sexto colocado na lista, passa menos da metade do tempo pagando impostos: 664 horas. Segundo o Índice de Complexidade Corporativa, o Brasil se encontra logo atrás da Indonésia como segundo colocado no ranking dos ambientes de negócio mais complexos do mundo, em grande parte devido às leis contábeis e fiscais existentes. Isso significa tempo desperdiçado e, portanto, dinheiro. Esses recursos poderiam ser empregados para dinamizar o mercado, diminuir preços e aumentar a renda de milhões de pessoas.
Já quanto à reforma administrativa, as dificuldades são os inúmeros lobbies do funcionalismo, que assustam tanto um número gigantesco de parlamentares quanto o presidente e muitos de seus principais conselheiros políticos. Paulo Guedes havia anunciado um pacote de medidas que representariam uma economia de R$ 300 bilhões aos cofres públicos, injetando mais dinamicidade e eficiência no Estado brasileiro. Porém, as expectativas não tardaram a ser minoradas. Militares, magistrados e parlamentares ficaram de fora da simplificação de carreira e da redução de benefícios que eram a razão de ser do programa de reformulação do funcionalismo público. O que era para ser a reforma mais ousada do Estado brasileiro na sua história recente logo se mostrou mais um embaraço entre o Presidente, a equipe econômica, os deputados aliados e grupos de pressão próximos do bolsonarismo. O seu destino, portanto, também permanece desafortunadamente incerto. Ainda que a demanda seja premente.
Quanto à infraestrutura, a necessidade de aceleração de todos os projetos é evidente. O Ministério de Tarcísio de Freitas já está se movimentando, e prevê contratar R$ 137,5 bilhões em investimentos, entre leilões, renovação de concessões e privatizações. São mais de 50 leilões previstos para o ano que vem.
Mas é preciso mais. Segundo o relatório do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Brasil é o país que menos aplica recursos em infraestrutura em toda América Latina (apesar de concentrar 25% de todo investimento privado na área em todo o subcontinente).
O importante é compreender que todas as medidas listadas acima passam por uma mudança de postura da parte da gestão federal. O governo tem de sair das cordas e tomar decisões claras e firmes sobre os rumos que o país deve seguir, sejam elas amargas ou não. Escolher é sobreviver. Não é possível deixar que grupos de pressão pouco relevantes para o desenvolvimento econômico nacional continuem ditando os rumos do país. Não é possível tampouco dar prioridade a uma agenda política de reeleição quando o que está em jogo é a própria viabilidade econômica do país. Tocar uma agenda de reformas com medo de desagradar parcelas do eleitorado, sem pensar nos benefícios de curto, médio e longo prazo do ponto de vista do bem comum, é uma armadilha na qual o país não pode se dar ao luxo de cair. Da mesma forma, o Governo Federal precisa ter maturidade na articulação política para saber se relacionar com o Congresso, independentemente do resultado das eleições para a Presidência da Câmara e do Senado. Crise muitas vezes também significa oportunidade, mas é preciso coragem, inteligência e determinação para fazer a coisa certa.
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