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A mesquinhez dos atores políticos envolvidos na tramitação do pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff recentemente aceito pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha, não é novidade. As mentiras contadas por ambos se acumulam, e os pronunciamentos mais importantes da semana – feitos na entrevista coletiva de Cunha e no pronunciamento de Dilma, ambos na quarta-feira – não mostram apenas como a mentira deslavada se tornou corriqueira: eles também lançaram as bases sobre as quais o PT pretende mostrar o impeachment à opinião pública, e a maneira escolhida foi a mais maniqueísta possível.

Neste mesmo espaço já tratamos da mentira evidente relativa às motivações de Cunha para dar andamento ao processo, mas a empulhação não parou por aí. Na entrevista de quarta-feira, Cunha ainda argumentou que “o juízo do presidente da Câmara é único e exclusivamente de autorizar a abertura, não de proferir o seu juízo de mérito”. A contradição é óbvia: Cunha, ao se declarar um mero “carimbador” de pedidos, agora tira a importância que ele mesmo se atribuiu ao longo de todo esse tempo. Mas, se é assim, por que ele segurou por quase um mês e meio um pedido de impeachment que atendia a todos os requisitos técnico-formais, inclusive o de se referir a supostos crimes de responsabilidade cometidos já no segundo mandato de Dilma?

A marquetagem petista abrirá um novo front construindo a imagem da governante honesta que luta contra o deputado ladrão

“Eu não ficaria com isso na gaveta, sem decidir”, acrescentou Cunha, imaginando que o Brasil se esqueceria da existência de um “acordão” feito para salvar Cunha e Dilma – enquanto o PT aliviaria para evitar a cassação do presidente da Câmara, ele deixaria, sim, tudo na gaveta para impedir o impeachment de Dilma. E é aqui que entra a presidente da República, que “jamais aceitaria ou concordaria com quaisquer tipo de barganha”, segundo afirmou. A cara de pau não tinha fim: ao lado de Dilma na ocasião estavam os dois ministros – Jaques Wagner e Ricardo Berzoini – que tinham passado a quarta-feira e os dias anteriores tentando convencer os deputados petistas no Conselho de Ética a votar contra o processo de cassação de Cunha, e mesmo assim a presidente insistia na inexistência da “barganha” que teve em Lula e Rui Falcão seus grandes articuladores.

Mas Dilma não se limitou a negar o óbvio sobre o “acordão”. Ao lançar indiretas a Cunha afirmando que não tem contas no exterior, nem escondeu a existência de bens pessoais, deu o tom que marcará a batalha do impeachment na opinião pública daqui em diante: os petistas não deixarão de atentar contra a lógica falando em “golpe”, mas, como bem apontou o colunista político Merval Pereira, do jornal O Globo, a marquetagem petista abrirá um novo front construindo a imagem da governante honesta que luta contra o deputado ladrão. Na arena do impeachment se enfrentarão o bem e o mal: a “coração valente”, íntegra, que não desviou recursos públicos e que, se é que “pedalou”, foi para o bem dos pobres (como já disse Lula), contra o deputado chantagista e mentiroso que mandou dinheiro da Petrobras para a Suíça. Um maniqueísmo sedutor destinado a convencer a população de que Dilma está sendo vítima de uma grande injustiça perpetrada por um crápula. Um recurso ligeiramente mais sofisticado dirigido aos que não caírem no slogan do “golpismo”.

Os brasileiros já se cansaram de tanta mentira – nas pesquisas mais recentes, a maioria dos entrevistados quer a saída tanto de Dilma quanto de Eduardo Cunha, desmentindo a noção maniqueísta de que aqueles contrários à presidente da República tendem a ver no presidente da Câmara uma espécie de herói. Os atos e as palavras de ambos são mais que suficientes para justificar sua remoção da vida pública. A limpeza precisa ser completa.

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