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A detenção do brasileiro David Miranda em um aeroporto de Londres causou debate sobre o conflito entre legislações antiterror e as liberdades individuais e de imprensa

A detenção, por quase nove horas, do brasileiro David Miranda no aeroporto de Heathrow, em Londres, criou um incidente diplomático entre o Brasil e o Reino Unido, e provocou um debate sobre os limites da legislação antiterror e o respeito aos direitos individuais e à liberdade de imprensa – ambos valores colocados em xeque pela ação das forças de segurança inglesas.

Miranda é companheiro de Glenn Greenwald, jornalista americano que mora no Rio de Janeiro e foi o primeiro a publicar, no jornal londrino The Guardian, reportagens sobre a extensão global do monitoramento que os governos norte-americano e britânico faziam sobre comunicações telefônicas e pela internet. As informações foram passadas a Greenwald por Edward Snowden, que trabalhou como técnico terceirizado para a Agência de Segurança Nacional dos EUA. Snowden, que recebeu asilo temporário na Rússia depois de passar semanas na área internacional do aeroporto de Sheremetyevo, em Moscou, foi indiciado nos Estados Unidos por espionagem e roubo de propriedade do governo.

O brasileiro foi detido em Heathrow com base na Lei Antiterrorismo inglesa, que dá permissão a agentes para revistar, questionar e deter sem motivação prévia qualquer pessoa que passe pelas fronteiras ou entradas do país, como portos e aeroportos. Os equipamentos eletrônicos que ele carregava foram confiscados pelos agentes. Miranda, no entanto, não tem qualquer vínculo com nenhum grupo ou ato terrorista – seu "crime" é a mera ligação com o jornalista que revelou o escândalo do grampo global de Obama, e é por isso que a detenção não apenas revela um abuso da legislação como também uma tentativa de intimidar pessoas ligadas à divulgação das informações obtidas por Snowden.

O jornal Daily Mail, também inglês, informou que o presidente americano, Barack Obama, foi avisado da detenção de Miranda. A profunda cooperação entre americanos e britânicos vem de décadas e independe de coloração partidária – se hoje o presidente norte-americano é um democrata e o premiê britânico, David Cameron, é um conservador, o trabalhista Tony Blair foi um dos poucos a apoiar o republicano George W. Bush na invasão do Iraque, em 2003. Mas, em sua obsessão por Snowden, os Estados Unidos vêm pressionando outros países, como no lamentável caso do avião do presidente boliviano, Evo Morales, em julho. Ele havia mencionado, em entrevista na Rússia, a possibilidade de oferecer asilo a Snowden. Durante a viagem de volta, França, Espanha e Itália negaram ao avião presidencial permissão para entrar em seu espaço aéreo, após um rumor de que Snowden estava na aeronave. Morales foi forçado a passar várias horas em Viena, na Áustria, onde o avião teria sido revistado por autoridades austríacas. Pode-se criticar o presidente boliviano por várias razões, incluindo sua aversão à imprensa livre, mas nesse caso Morales foi vítima de uma grande injustiça.

Durante a transição do governo Bush para o governo Obama, em 2008/2009, a equipe deste último publicou, no site www.change.gov, um plano de governo que trazia uma referência justamente aos "whistleblowers", como são chamados em inglês aqueles que fazem denúncias sobre empresas, órgãos públicos ou entidades, estando dentro delas – caso de Edward Snowden. A respeito deles, o site diz: "Frequentemente a melhor fonte de informação sobre desperdício, fraude e abuso no governo é um funcionário comprometido com a integridade pública e disposto a dizer o que sabe. Tais atos de coragem e patriotismo, que podem às vezes salvar vidas e frequentemente economizar o dinheiro do contribuinte, devem ser estimulados em vez de reprimidos. (...) Barack Obama vai fortalecer as leis para proteger funcionários públicos federais que exponham desperdício, fraude e abuso de autoridade dentro do governo. Obama vai garantir que as agências federais acelerem a apuração das alegações feitas pelos denunciantes, e eles terão acesso total aos tribunais e ao devido processo legal". Que o governo Obama tenha ignorado essas palavras ao se esforçar para pegar e punir Snowden é uma questão interna que diz respeito apenas aos norte-americanos; mas é altamente preocupante que, na caçada ao delator, governos e cidadãos de outros países sejam envolvidos contra sua vontade.

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