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Anos atrás, o colunista Diogo Mainardi comparou os gastos para montar uma feira de livros num certo município da Itália aos custos para erguer uma milionária feira de leite no Norte do Paraná. O saldo da conversa é que a piccola cidade europeia, com bem menos dinheiro, ostenta índices educativos cuja magnitude faria calar os trinados sertanejos ouvidos lá pelos lados do Rio Ivaí. Culpa da feira. Do que se conclui o poder de transformação da cultura letrada – um bordão que de tão repetido já embarga a voz dos profetas.

Mas não deveria. Hoje, mais do que nunca, a cultura deixou de ser assunto de renascentistas tardios. Tornou-se conversa também de investidores e gestores de fina-cepa. Pudera. Sobram dados para provar o quanto o setor de artes e espetáculos pode – além de humanizar – tornar a sociedade mais rica e produtiva.

O caso da Inglaterra é modelar: 7% do PIB do país vem da cultura, ficando atrás apenas do mercado financeiro. A empolgação é tamanha que o ex-ministro da pasta Chris Smith se tornou uma espécie de guru, a cuja cartilha recorrem governantes sensíveis e ilustrados. Além de índices positivos para esbanjar, Smith trata com propriedade dos efeitos imediatos dos chamados "bairros criativos" e do uso de armazéns abandonados para ateliês – entre outras soluções baratas de dar dó. Sem falar nos museus gratuitos, uma novidade que tornou Londres ainda mais desejável.

A máxima, em todos os casos, é só uma: cidades mobilizadas culturalmente são mais atraentes. O resto vem por acréscimo. É certo que a equação não é simples como bolo de fubá. Na nova ordem mundial, a cultura foi cooptada pela chamada indústria do entretenimento, uma máquina tão onipotente quanto predadora. Tanto quanto cineastas underground – cuja moviola fica entre o fogão e a geladeira de casa – engloba Hollywood, mecas do turismo como Dubai e os passes algo imorais dos jogadores de futebol. Pode?

De acordo com a consultoria Pricewaterhouse Coopers, todos esses agentes – separados por um bom punhado de dólares – fazem parte de um setor da economia que cresce espantosos 6,4% ao ano, com potencial para mobilizar US$ 2 trilhões. Além de dar calafrios na indústria bélica e automobilística, essa fábula monetária leva a vantagem de não ter contraindicações. Como escreveu o ex-ministro Gilberto Gil, a cultura não destrói o meio ambiente, emprega bem, tem valor agregado. Mal não faz. Fosse a primeira fonte de renda do mundo, o planeta seria bem melhor.

A divisão do bolo das artes, contudo, é injusta como assaltar velhinhas na porta da igreja. Para surpresa geral, a maior parte do setor é pedestre, rastejante, passa o chapéu, mantendo uma pá de artistas malditos por aí. O Brasil serve de exemplo: o gasto público com a cultura representa míseros 0,2%, e 55% desse montante está a cargo dos municípios. Dá para imaginar o tipo de coisa que leva o nome de cultura nesses rincões.

Não bastasse, de acordo com pesquisa de 2007 do MinC/Ipea, os brasileiros -- ricos ou pobres -- investem apenas 4% do que ganham em cultura. Não chega a ser mal – perde apenas para habitação, alimentação e transporte. A questão é que 85% do dinheiro da cultura é usado na compra e manutenção de rádios e tevês, diminuindo a fila dos que vão ao teatro e à livraria. Para coroar, o Sistema de Informações e Indicadores Culturais, do IBGE, aponta como campeão de investimento cultural brazuca as festas familiares e baladas – somando 78% do bolo. Soa engraçado. Que pena.

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