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Lula Dilma
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a ex-presidente Dilma Rousseff.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil.

“O homem é o homem e sua circunstância.” Esta frase do filósofo José Ortega y Gasset tornou-se famosa por alertar que, entre outros aspectos, o desempenho de uma pessoa nas atividades particulares ou em cargos no setor privado ou público depende das circunstâncias da realidade objetiva e dos meios à disposição para o exercício das tarefas. No caso de um governante, a avaliação de suas políticas e atos de governo somente faz sentido se forem levadas em consideração as circunstâncias existentes no período da ação executiva, porquanto é no mínimo ingênuo acreditar que os resultados, negativos ou positivos, sejam decorrência apenas da genialidade ou da estupidez do agente em questão.

Adicionando à análise o fato de que nos tempos atuais o mundo está em movimento constante e aceleradas transformações, as circunstâncias exercem papel decisivo e determinante na ação humana e nos resultados dela. Analisando o Brasil no início deste século 21, havia expectativa de um novo tempo para o país, pois alguns sinais indicavam a possibilidade de superação da condição de atraso e pobreza, após o país ter desperdiçado oportunidades históricas de se desenvolver e mudar a face social nacional. No ano de 2002, quando Lula foi eleito presidente da República, o cenário internacional se mostrava altamente favorável em face da explosão dos preços das commodities agrícolas e minerais que o Brasil exporta.

De fato, no período abrangido pelos anos 2002 a 2010, o Brasil foi beneficiado pelas significativas elevações dos preços de seus produtos de exportação, o país reduziu sua dívida externa, reservas internacionais em moeda estrangeira foram formadas em abundância, e ali se apresentava talvez a melhor oportunidade da história brasileira para o país assentar as bases do crescimento econômico, promover o desenvolvimento social, eliminar a miséria, reduzir a pobreza e elevar o nível educacional de seu povo. O primeiro mandato de Lula, de 2003 a 2006, teve aspectos positivos, entre eles a decisão de manter a política econômica vinda do governo anterior, fundada no tripé formado por superávit fiscal primário, metas de inflação e câmbio flutuante.

A atual realidade política, jurídica, institucional e estatal brasileira age como um freio aos pontos positivos e ao bom desempenho em alguns setores

O Plano Real, implantado em julho de 1994, conseguiu extirpar o flagelo da hiperinflação que houvera se tornado doença crônica nos anos anteriores e solapava as tentativas de crescimento econômico sustentável por longos períodos. A circunstância favorável no mercado internacional permitiu a Lula fazer um governo sem grandes tragédias, mas graves erros econômicos e morais começaram a ser erigidos já naquele primeiro mandato de Lula, erros esses que foram mantidos e agravados no segundo mandato lulista, tornando-se marcas do governo e do PT.

Foi naquele primeiro mandato que ficou conhecida a prática de megaesquemas de corrupção, incluindo as fraudes e desvios componentes do que se convencionou chamar “mensalão”. Apesar de Lula ter conseguido se reeleger, seu segundo mandato, de 2007 a 2010, foi tortuoso e ruim, sobretudo considerando que a circunstância favorável do mercado internacional continuava. Apesar dos muitos erros e crimes morais, Lula conseguiu eleger sua ministra Dilma Rousseff, e a primeira mulher presidente do Brasil fez um péssimo governo, pelo qual ela não pode culpar a reversão da boa circunstância internacional – o boom dos preços das commodities começou a se reverter já em 2011, quando começou a queda nas cotações da pauta de exportação brasileira.

Independentemente da circunstância externa, o grande problema de Dilma foi obra própria: abandonar de vez a matriz econômica que vinha desde Fernando Henrique Cardoso e substituí-la definitivamente pela “nova matriz econômica” gestada no segundo mandato de Lula e que não tinha como dar certo (e não deu). Ela interferiu na política de preços da Petrobras, congelou preços de derivados do petróleo, gás e energia, causou prejuízo enorme às empresas desses setores, bagunçou as contas públicas, manipulou a contabilidade do governo... e criou a maior recessão econômica da história do Brasil nos anos de 2015 e 2016, culminando com o impeachment por manobras orçamentárias.

O resultado foi o de sempre: o país desperdiçou a boa situação, não fez as reformas estruturais necessárias, não melhorou o Estado, não modernizou as relações políticas e, mais uma vez, a expectativa de superação do atraso, da miséria e da pobreza foi boicotada, e o Brasil seguiu firme em sua condição de país subdesenvolvido. Vale mencionar que, em 2001, o economista Jim O’Neill, chefe de pesquisa em economia global do grupo financeiro Goldman Sachs, criou a sigla “Bric” para se referir a Brasil, Rússia, Índia e China, países que prometiam se destacar no cenário mundial por altas taxas de crescimento e aumento de sua importância no tabuleiro da economia global. Para o Brasil, a previsão não funcionou.

Neste ano de 2024, o Brasil se aproxima da metade da terceira década deste século como um país atrasado e castigado por graves problemas sociais, apesar de avanços em alguns aspectos da economia nacional. A estrutura de Estado e a gestão pública nas três esferas da Federação continuam com sérios vícios, ineficiências, desperdícios e corrupção, fazendo que a reforma do Estado se torne necessária como condição para o país entrar na rota do desenvolvimento e sair da pobreza. Sobre esse ponto vale citar John Gray, professor de Pensamento Europeu na London School of Economics, que afirmou: “A renovação do Estado surge como a grande tarefa política de nosso tempo, pois, se ela não for realizada, nenhum outro objetivo poderá ser atingido”.

Se a circunstância política, econômica e social define a capacidade do país em crescer consistentemente todos os anos e caminhar rumo ao desenvolvimento econômico e social, a atual realidade política, jurídica, institucional e estatal brasileira age como um freio aos pontos positivos e ao bom desempenho em alguns setores, tornando difícil qualquer prognóstico sobre a possibilidade de o Brasil ingressar no grupo dos países desenvolvidos, apesar da conhecida abundância de recursos naturais.

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