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Faltando ainda três anos para o término do segundo mandato, correligionários do presidente Luiz Inácio Lula da Silva movem-se para garantir-lhe um terceiro consecutivo. Tramita no Congresso Nacional o projeto de emenda constitucional de autoria do deputado do PT paulista Devanir Ribeiro abrindo a possibilidade da tri-eleição – fato suficiente para colocar no cenário político o debate de um tema no mínimo constrangedor e, ao mesmo tempo, para instalar prematuramente um indesejável clima de campanha eleitoral. Com sinceridade ou não, o presidente classificou a proposta de insensata, e vem apelando aos seus defensores para que arrefeçam seus ânimos, pois ele próprio não estaria interessado em manter-se no Palácio do Planalto por mais um período.

Lula tem razão quanto à insensatez da proposta. Em primeiro lugar porque, antes de se abraçar a causa desse continuísmo à moda venezuelana, deve ainda a sociedade brasileira ser convocada para analisar a experiência de reeleições que já acumulamos desde que, em 1997, a Constituição Federal foi casuisticamente emendada – sob métodos sabidamente heterodoxos – para permitir a recondução de Fernando Henrique Cardoso ao mais alto posto do país. Coisa, aliás, contra a qual, à época, protestou o Partido dos Trabalhadores e seu principal líder, o então eterno candidato Lula. Eleitos em 2002, Lula e o PT não titubearam em sepultar seus antigos pruridos anti-reeleitorais para pleitear a permanência no poder por mais quatro anos, colhendo retumbante êxito na eleição de 2006.

Em segundo lugar porque, antes de se abrir a porteira para a instalação de uma ditadura disfarçada por suposta vontade popular manifestada pelo voto, há que se pensar com seriedade na reforma política, de modo a fortalecer as instituições e a dar indiscutível legitimidade às escolhas populares. Antes disso, não faz sentido – ou seja, é de fato uma insensatez – levantar a bandeira da tripla eleição. Até porque nada nos garante que, após a conquista da tri, não se sintam tentados os seus beneficiários a buscar a faculdade de reelegerem-se indefinidamente – como ocorre hoje na Venezuela de Hugo Chávez.

A reeleição, em si mesma, não representa um atentado contra a democracia. Ao povo deve ser concedido o soberano direito de decidir dar mais tempo aos seus governantes, se estes, em razão da excelência dos serviços prestados à nação, merecerem sua confiança. Em democracias republicanas sólidas, como a dos Estados Unidos ou a da França, para citar apenas dois exemplos, a reeleição é prática corrente que em nada as faz assemelhar-se ao mundo das republiquetas.

Entretanto, é de se indagar se a ainda incipiente e defeituosa democracia brasileira já alcançou suficiente estágio de perfeição para garantir a necessária higidez ao processo de reeleição. A prática comprovou que não. Nos dois casos em que o país viveu a experiência, o que vimos foi o uso descarado da máquina pública e de métodos de manipulação do poder e da opinião pública para assegurar a vitória dos dois presidentes que se dispuseram ao "sacrifício" de manter-se no cargo.

Por exemplo: o primeiro adiou para depois das eleições a adoção de medidas econômicas que, embora à época cruciais e urgentes para dar ao país condições de superar a crise na qual estava perigosamente imerso, representariam sacrifício para o povo e, portanto, menos votos nas urnas. Sem falar nos métodos nem sempre republicanos de conquistar amigos e aliados para a causa da continuidade. O outro, além do populismo assistencialista com o evidente propósito de ampliar os currais repletos de votos da maioria menos esclarecida do eleitorado, conseguiu superar-se em matéria de relacionamento não convencional com os congressistas.

Nada disso faz bem à democracia nem ao futuro do país na medida em que tende a eternizar os nossos conhecidos vícios políticos, ao mesmo tempo em que programas governamentais prioritários acabam por sucumbir diante do interesse da reeleição. Gasta-se o que não se pode em projetos e ações que o governo não deveria sequer pensar. Infelizmente, este é o quadro inegável que nos legou até agora o instituto da reeleição. E que uma eventual possibilidade de tri-eleição somente agravará.

Mais: pensar em permitir aos presidentes brasileiros a disputa consecutiva de dois pleitos sucessivos ao primeiro é ir de encontro a uma das mais salutares qualidades da democracia direta e representativa, a da alternância do poder entre as várias correntes de pensamento político permeadas na sociedade.

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