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Nos próximos dias o Supremo Tribunal Federal (STF) retomará o julgamento acerca da constitucionalidade da Lei nº 5.250/1967, a chamada Lei de Imprensa. Em fevereiro de 2008, o STF, em decisão do ministro Carlos Ayres Britto, deferiu parcialmente uma liminar pleiteada pelo PDT e, assim, suspendeu o andamento de processos e a aplicação de decisões fundadas em alguns dos dispositivos da citada lei. No último dia 1º de abril, o processo foi levado a julgamento no plenário do STF, ocasião em que o ministro Carlos Ayres Britto, ampliando os efeitos de sua anterior decisão, julgou totalmente procedente a medida judicial proposta pelo PDT, declarando como não recepcionado pela Constituição todo o conjunto de dispositivos da Lei de Imprensa. No mesmo sentido votou o ministro Eros Grau. Em seguida, o julgamento foi suspenso, com a promessa de ser retomado ainda este mês.

Pois bem, com todo o respeito ao STF e a seus integrantes, os dois votos proferidos até o momento nos parecem evidentemente equivocados, notadamente em virtude do fato de não haver razões e justificativas lógicas para o julgamento "em bloco" da Lei de Imprensa. O fato de ter sua origem no período da ditadura militar não é suficiente para justificar sua completa eliminação do ordenamento jurídico. Fosse assim, bastaria "revogarmos", de uma só vez, toda a legislação surgida no período militar, o que seria, evidentemente, um grande absurdo e uma grande irresponsabilidade.

Ora, não há dúvida de que várias regras contidas na Lei de Imprensa são incompatíveis com a Constituição de 1988 e que, por isso mesmo, simplesmente deixaram de ser observadas, em virtude de sua "não recepção". Não é estritamente necessária uma declaração do STF nesse sentido, pois tal declaração faria nada mais do que "chover no molhado". Um exemplo: o Poder Judiciário desconsidera, há muito tempo o exíguo prazo previsto para o exercício da ação de reparação de danos (3 meses contados da transmissão ou publicação). E é também por isso que ninguém mais ousa falar de censura a espetáculos públicos ou em apreensão de impressos por ordem do ministro da Justiça. Ou seja, as correções de rumo já foram feitas pelas várias instâncias do Judiciário a partir de 1988.

Apesar disso, é importante destacar que vários dispositivos da Lei de Imprensa são plenamente constitucionais. Mais que isso: reforçam princípios e direitos consagrados na Carta Política de 1988, notadamente os princípios da igualdade, da segurança jurídica, e da dignidade da pessoa humana, além dos direitos à liberdade, à informação, e à livre manifestação de expressão e do pensamento.

Para chegarmos a tal conclusão, visitemos, por exemplo, o art. 27, da Lei n° 5.250/1967, o qual estabelece que não constituem abusos no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e de informação, por exemplo, a opinião desfavorável da crítica literária, artística, científica ou desportiva; a divulgação e a crítica a atos do Poder Legislativo; a divulgação de atos praticados em juízo; a divulgação e a crítica a atos e decisões do Poder Executivo; a crítica a leis; a crítica inspirada no interesse público; e a exposição de doutrina ou ideia. Ora, qual é a inconstitucionalidade do artigo em questão? Seria ele "incompatível com os tempos democráticos"? Parece-nos que não. O citado artigo apenas reforça o direito à livre manifestação de opiniões, à liberdade de informação, de expressão, de crítica e de manifestação do pensamento. E tanto é assim que continua sendo reiteradamente aplicado pelos tribunais do país.

Outro tema importante é o atinente ao direito de resposta. Não há como se negar que o instituto é regulado de forma bastante equilibrada na Lei de Imprensa, com prazos bastante reduzidos que, por óbvio, são muito mais benéficos aos ofendidos que aos veículos de comunicação. A regulação pode sim ser melhorada, mas isso não é justificativa suficiente para se extirpar o instituto da legislação vigente, até mesmo porque não existe hoje nenhum outro procedimento que possa substituí-lo de forma adequada. Assim, com a queda das atuais regras de direito de resposta, a sociedade ficaria totalmente desamparada e os eventuais ofendidos não mais disporiam de um procedimento célere e justo para o exercício de um direito constitucionalmente consagrado.

Por fim, apresenta-se a questão relativa aos crimes praticados por meio dos veículos de comunicação social. Não é razoável que alguns dos crimes praticados por meio da imprensa, principalmente os crimes contra a honra, sejam apenados de forma mais severa do que daquela prevista no Código Penal? Uma calúnia perpetrada em uma reunião de negócios, na presença de três ou quatro pessoas, tem o mesmo impacto do que calúnia praticada por meio da imprensa, com repercussão direta para dezenas de milhares de pessoas? É evidente que não. É óbvio que um crime cometido por meio de veículos de comunicação, de forma intencional, pode e deve ser apenado de forma mais rígida. Em quase todos os países do mundo os crimes contra a honra praticados pela imprensa são apenados mais severamente do que quando praticados em instâncias privadas. E isso deve ocorrer com ou sem uma Lei de Imprensa. Dentro do Código Penal ou fora dele, em legislação especial. Pouco importa.

O fato é que, ao término da sessão de 1º de abril, provavelmente em decorrência dos debates havidos em plenário, alguns ministros do STF, e inclusive o próprio ministro Ayres Britto, manifestaram a possibilidade de alteração na forma do julgamento da Lei de Imprensa. Admitiram a possibilidade de que o julgamento da lei seja retomado não sob a perspectiva de "bloco", mas sim com a análise detalhada, artigo por artigo, de suas normas. Torcemos por isso. Seria uma decisão mais responsável e mais justa.

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